sexta-feira, 5 de novembro de 2010

05 | O que vem pela frente



Sábado, 30 de Outubro de 2010. Nagoya, Japão. As três horas da manhã, o ministro japonês do meio ambiente, Ryu Matsumoto, finalmente dá última martelada. Está encerrada a décima conferência dos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica.

É um momento histórico, e os representantes dos mais de 200 países ali presentes sabem disso. Um fracasso aqui, depois do exagerado fracasso anunciado em Copenhague nas negociações sobre o clima, teria colocado um grande ponto final na tentativa dos países do mundo, conjuntamente, procurarem soluções para esse problema que é verdadeiramente global.

Entre as decisões que foram tomadas nessa Conferência e a efetiva redução, ou mesmo o fim, da perda da biodiversidade em escala planetária muito trabalho precisa ser feito. Num mundo onde o aumento populacional ainda é realidade nos próximos 40 anos e a escassez de recursos naturais é cada vez mais eminente, as metas e os compromissos aqui assumidos só serão realizados se esse tema for de fato incorporado à agenda econômica e política de cada país.

Uma vitória da diplomacia, no entanto, não significa necessariamente uma vitória para cada gene, espécie e ecossistema que possibilitam a vida como a conhecemos.

Ainda assim, é preciso reconhecer a liderança e o pragmatismo Japonês pela incansável busca por um consenso e finalmente um acordo. Merece destaque também a capacidade de articulação e visão do time de negociadores brasileiros.

Mas o que de fato foi acordado e o que vem pela frente?

a) Protocolo de Nagoya: é assim que passa a ser conhecido o conjunto de regras e procedimentos para o acesso e repartição de benefícios advindos do uso dos recursos genéticos. É um documento complexo e quem deseja conhecê-lo na íntegra pode encontrá-lo em
http://www.cbd.int/doc/meetings/cop/cop-10/in-session/cop-10-l-43-rev-1-en.doc

Vale destacar que são regras genéricas sujeitas à adaptação de acordo com as legislações nacionais de cada pais. O Brasil tem um projeto de Lei aquém do nosso potencial e atualmente parado na Casa Civil. É de nosso maior interesse aprová-lo rapidamente e aproveitar a vantagem comparativa em relação a outros países. Não há momento mais oportuno para envolver os mais importantes centros científicos do país, as empresas interessadas e comprometidas e as comunidades tradicionais geradoras de conhecimentos, numa agenda de desenvolvimento compatível com nossa supremacia em biodiversidade.

Mais importante ainda deve ser a mensagem para nossos legisladores e juízes: fazer pesquisas em nossas florestas, seja para uso comercial ou não, deve deixar de ser visto como crime em potencial, para ser visto como potencial gerador de riqueza para o país. Chega de ignorância. Chega de paranóia.

b) Plano Estratégico 2011-2020: a missão do plano aprovado, de acordo com a tradução que fiz, é a seguinte:

“Agir de forma efetiva e urgente para acabar com a perda da biodiversidade, assegurando que em 2020 os ecossistemas estejam resilientes e continuando a provir seus serviços essenciais, assim sendo, assegurando a variabilidade de vida no planeta, e contribuindo para o bem estar humano e erradicação da pobreza.

Para que isso aconteça, as pressões sobre a biodiversidade serão reduzidas, ecossistemas recuperados, recursos biológicos usados sustentavelmente e os benefícios do seu uso são distribuídos de maneira justa e equitativa; recursos financeiros são providos de forma adequada, capacidades aumentadas, valores e questões da biodiversidade adquirem a devida importância, políticas públicas apropriadas são efetivamente implementadas, e processos de decisão são baseados em rigor científico e seguem o princípio da precaução”
.

Daí tem-se as 20 metas, das quais destaco e analiso de forma sucinta:

• Meta 3: Até 2020 no máximo, os incentivos, incluindo subsídios, que destroem a biodiversidade são eliminados ou reformados para minimizar seus impactos negativos, enquanto incentivos positivos para conservação e uso sustentável da biodiversidade são desenvolvidos e aplicados (..), levando em consideração as características sócio-econômicas de cada país.

Enquanto houver mais recursos direcionados às atividades que destroem a biodiversidade do que para àquelas que conservam, atingir qualquer uma das outras metas será praticamente uma missão impossível. Essa meta vai na direção certa, mas faltou combinar com o pessoal do comércio internacional e da indústria fóssil.

• Meta 4: até 2020 no máximo, governos, empresas e outros stakeholders em todos os níveis tomaram medidas para implementar ou implementaram seus planos para produção e consumo sustentável, e mantiveram os impactos do uso de seus recursos naturais dentro de limites ecológicos seguros.

O Brasil já tem o seu plano confeccionado. Falta implementá-lo. O problema é que com a ausência absoluta desse tema na agenda dos candidatos à presidência (com exceção da Marina Silva), corre-se o risco de ser mais um daqueles planos que nunca sairão dos gabinetes de Brasília.

• Meta 5: até 2020, a taxa de perda de todos os habitats naturais, incluindo as florestas, será pelo menos reduzida pela metade, e onde for viável será reduzida a zero, e a degradação e fragmentação reduzidas significativamente.

O destaque para as florestas é uma clara mensagem política da importância que esse ecossistema, o qual detemos a porção mais importante entre todos os países, adquiriu. Ficou claro em Nagoya que as florestas e seu mecanismo financeiro associado REDD+ (http://brasileoclima.blogspot.com/2009/12/04-o-papel-da-amazonia.html) são a ponte para unir as duas agendas tão complementares: biodiversidade e clima. Para essa Meta 5, no entanto, faltou indicar qual é claramente essa taxa hoje (baseline) para termos um parâmetro de comparação.

• Meta 6: até 2020 os estoques de todos os peixes e invertebrados, assim como de todas as plantas aquáticas, são geridas e colhidas sustentavelmente, legalmente e sob uma gestão ecossistêmica, assim a sobrepesca é evitada, ações e planos de recuperação para todas as espécies em risco estão implementados, a indústria da pesca não traz impacto adverso significativo sobre as espécies ameaçadas e os ecossistemas vulneráveis, e o impacto dessa indústria sobre os estoques, espécies e ecossistemas estão dentro de limites ecológicos seguros.

A pesca nos oceanos é a corresponde a mais de 15% da fonte de proteína para 3 bilhões de pessoas no mundo. Assim como deixamos de ser caçadores e coletores na terra para nos transformar em agricultores o mesmo precisa ser feito nos oceanos. E isso será uma verdadeira revolução.

• Meta 8: Até 2020, a poluição, incluindo a advinda do excesso de nutrientes, será reduzida a níveis que não sejam prejudiciais ao funcionamento dos ecossistemas e a biodiversidade.

A principal fonte de poluição é a agricultura intensiva e irresponsável, que tem como seus subprodutos os fertilizantes, inseticidas e outros. Manejá-los adequadamente garantido que eles não cheguem aos lençóis freáticos é fundamental. Nem os países ricos estão devidamente preparados para isso.

• Meta 11: Até 2020, pelo menos 17% do território mundial incluindo os rios e lagos, e 10% das áreas marinhas, especialmente em áreas de relevante importância pela biodiversidade e serviços ecossistêmicos, são conservados por uma gestão efetiva e equitativa, ecologicamente representativa e bem conectadas com sistemas de áreas protegidas e outras medidas efetivas de conservação, e integradas dentro de um conceito de paisagem.

Poderíamos ter sido mais ambiciosos nessa meta. Existia a possibilidade de chegar a 25% no terrestre e 20% nos oceanos. De qualquer maneira, são números importantes, principalmente nos oceanos, onde as áreas efetivamente protegidas não passam de 1%. Em terra, o desafio é a gestão eficiente desse território. Temos um bom exemplo a oferecer que é o programa ARPA (http://www.site.funbio.org.br/teste/OqueFazemos/Solucoes/Arpa.aspx).

• Meta 15: Até 2020, a resiliência dos ecossistemas e a contribuição da biodiversidade para os estoques de carbono são aumentadas através da conservação e restauração, incluindo a restauração de pelo menos 15% dos ecossistemas atualmente degradados, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, adaptação e combatendo a desertificação.

Em nosso país, onde temos quase 70 milhões de hectares de áreas degradadas somente na Amazônia Legal, essa é uma meta que merece destaque. Recuperar áreas degradas é um importante gerador de renda e emprego. Além disso, serve para diminuir a pressão em áreas que ainda dispõem de vegetação nativa.

• Meta 16: Até 2015, o Protocolo de Nagoya sobre o acesso e repartição de benefícios advindos do uso dos recursos genéticos está em força e operação, compatível com a legislação nacional de cada país.

Esse prazo seria para 2020, se não fosse a intervenção do nosso embaixador Luiz Alberto Figueiredo na plenária final da COP10. O Brasil teve papel de muito destaque ao fazer a ponte entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos nesse tema fundamental.

• Meta 20: Até 2020 no máximo, a mobilização de recursos financeiros para a efetiva implementação do Plano Estratégico 2011-2020, de todas as fontes e de acordo com o processo acordado e consolidado na Estratégia para Mobilização de Recursos, deve aumentar significativamente em relação aos níveis atuais. Essa meta está sujeita a mudanças a partir do estudo de necessidades de recursos que será realizado e reportado por cada país.

Infelizmente, aqui faltou uma indicação numérica. Os países mais ricos, talvez pela precária situação econômica atual, não se comprometeram com o nível que era necessário. O que significa substancialmente? Como averiguar? Estima-se que os recursos aplicados hoje sejam da ordem de US$ 30 bilhões. Em algumas versões desse documento, antes da aprovação final, era mencionado um aumento de até 10 vezes “Show me the Money!”. Mas ninguém apareceu e isso pode por em risco o plano todo.

Quem se interessar pelo documento completo com todas as decisões da COP10 pode acessar o documento completo em:
http://www.cbd.int/doc/meetings/cop/cop-10/official/cop-10-01-add2-rev1-en.pdf

Termino essa série de artigos relembrando uma intervenção feita pela delegação da Juventude numa das plenárias, que foi direcionada a todos os negociadores presentes em Nagoya, e também àqueles que ocupam posições relevantes em cada país e que lá não estavam:

Vocês são os lideres de hoje. Vocês têm que garantir que teremos um mundo para vivermos amanhã

Imperfeito e incompleto, temos um plano para essa década. Aos 28 anos, não sei se estou mais para o lado da delegação da juventude ou para o lado dos diplomatas e negociadores, mas sei que somente a implementação efetiva e o cumprimento do que aqui foi acordado pode garantir um planeta para vivermos amanhã.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

04 | Economia & Biodiversidade

Não há como ignorar os ganhos materiais conquistados ao longo dos últimos dois séculos em todo o mundo. Não tão bem distribuídos é verdade, mas vivemos num grau de conforto, abundância e expectativa de vida absolutamente inimagináveis pelas gerações que nos precederam.

Porém, o modelo que nos trouxe até aqui está esgotado. A crise de dois anos atrás é apenas a superfície de algo muito mais fundamental: a maneira como incorporamos o valor dos bens e serviços da natureza em nosso sistema econômico. A realidade é simples: não incorporamos.

A água que bebemos, que gera nossa energia e que irriga nossa agricultura. O solo em que cultivamos. Os corais que protegem e alimentam bilhões de pessoas no mundo. As florestas que regulam o clima e “fabricam”chuva. Os peixes que pescamos em todos os oceanos. Até o ar que respiramos. Tudo isso são subsídios que nos foram oferecido de graça pelo planeta e que nesse início de século 21 começam a dar sinais claros de esgotamento.

Retirar esses bens e serviços das externalidades econômicas e os colocar no centro das decisões econômicas e políticas deve ser o desafio número 1 de qualquer economista nessa geração.

Um exemplo claro foi o vazamento de petróleo, ocorrido há poucos meses no Golfo do México. Derramaram 780 milhões de litros ou 4.9 milhões de barris. Se multiplicarmos pelo preço do barril de hoje (US$ 80), seria o equivalente a uma perda de US$ 390 milhões de dólares. Soma-se a isso algumas vidas que foram perdidas, mais o custo da limpeza que obviamente foi apenas marginal e alguns, mais “sofisticados”, ainda acrescentariam à conta a desvalorização das ações da British Petroleum (BP), responsável pelo acidente. Pronto chegamos ao custo total do acidente.

Não, não e não. Não dá mais para desconsiderar o valor da biodiversidade, o valor de um ecossistema único como o Golfo do México. Estes valores e os custos associados aos riscos dessas operações devem ser contabilizados. A começar pelos grandes bancos, públicos e privados, que fornecem os empréstimos a tais empreendimentos. Quase todo o petróleo que ainda pode ser explorado no mundo ou está em áreas de altíssimo risco operacional ou em regiões extremamente ricas em biodiversidade. O pré-Sal não é em nada diferente. Estimam-se 180 blocos do petróleo e gás na Amazônia Oriental (Brasil e outros países inclusos), embaixo de aproximadamente 70 milhões de hectares de floresta tropical. Não dá mais para ignorar esse risco. Tem que ser refletido no preço que pagamos. Só assim as energias alternativas se viabilizarão, ganhando a escala necessária.

Nesse sentido, existe um esforço considerável que ganhou bastante corpo aqui em Nagoya e que leva o nome The Economics of Ecosystem and Biodiversity (TEEB). Com o objetivo de iniciar o processo de análise dos benefícios econômicos globais da diversidade biológica, dos custos associados a perda da biodiversidade e o tradeoff entre o custo de conservar versus a falha de tomar medidas de proteção, o TEEB é composto de seis estudos. Direcionados para governos, empresas, mídia e público em geral, esses estudos têm a mesma importância para a inclusão da biodiversidade nas decisões econômicas, assim como o relatório Stern teve para as mudanças climáticas. Vale conferir http://www.teebweb.org/

Alguns dos números que saíram desses estudos nos dão uma boa perspectiva do tamanho do desafio:
• Perdemos o equivalente a US$800 bilhões ao ano, ao destruir nossos sistemas naturais. Isso equivale a quase metade o PIB brasileiro.
• O custo projetado para conservar e zerar a perda da biodiversidade e serviços ecossistêmicos é da ordem de US$300 bilhões. Hoje o investimento não chega a US$30 bilhões.
• Só nos países desenvolvidos os subsídios para pesca industrial, agricultura intensiva e indústria fóssil é da ordem de US$ 500 bilhões ao ano.

Num excelente livreto aqui publicado, “The Little Biodiversity Finance Book”, o fundador do Global Canopy Programme, Andrew Mitchell, vai ao ponto:

Oscar Wilde, novelista inglês, dizia que o cínico era aquele que sabia o preço de tudo, mas não conhecia o valor de nada. O cínico de hoje é aquele que sabe o valor da biodiversidade, mas falha em lhe atribuir um preço.”

Existem, é verdade, razões técnicas para esse cinismo coletivo. A principal delas é a dificuldade de atribuir à biodiversidade indicadores apropriados. Enquanto isso não for resolvido fica difícil inseri-la nas contabilidades empresariais e nacionais.

A boa notícia é que daqui de Nagoya pode sair a criação de uma plataforma científica intergovernamental de biodiversidade e serviços ecossistêmicos (IPBES, pela sigla em inglês). Tal plataforma será composta por cientistas de todo o mundo e vai melhorar a interação entre ciência e políticas públicas em níveis regionais e globais. Sua efetividade ainda depende de uma aprovação na Assembléia Geral da ONU, e existem boatos de que o governo brasileiro estaria pleiteando sediar a plataforma fazendo jus a nossa liderança na área.



The Economics of Ecosystems and Biodiversity from teeb4me on Vimeo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

03 | As negociações



Os temas aqui em Nagoya negociados assim como os interesses específicos de cada nação só podem ser completamente entendidos a partir de uma perspectiva histórica. Outra questão fundamental para se entender a posição de cada pais é a velha divisão entre os desenvolvidos e os em desenvolvimento. Ricos e pobres. Norte e sul. Tal divisão ganha traços ainda mais definidos numa negociação sobre a biodiversidade, uma vez que é no sul, geralmente pobre, onde se encontra a maior parte da diversidade biológica do planeta.

Diferentemente então de outras negociações multilaterais, como por exemplo comércio ou mesmo segurança internacional, em biodiversidade os países mais pobres têm uma força considerável.

É desses países, compartilhada pelo Brasil e por outros emergentes, a principal demanda nessa conferencia:
a adoção de um protocolo legalmente vinculante sobre o acesso aos recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios associados ao seu uso (ABS pela sigla em inglês Access and Benefit Sharing).

Além desse tema tão caro aos países em desenvolvimento, o sucesso ou fracasso das negociações em Nagoya também dependem de um acordo em outras duas frentes: a adoção de um novo plano estratégico global para biodiversidade e de metas numéricas para o aumento do aporte de recursos financeiros.

Abaixo, procuro explicar a importância de cada um desses temas, suas peculiaridades e o status das negociações:

a)
ABS: enquanto as grandes e simbólicas espécies do reino animal melhor simbolizam a biodiversidade, são os invisíveis e valiosos recursos genéticos que mais disputa causam há quase uma década de negociações. Não é à toa. Setores fundamentais de qualquer sistema econômico, como por exemplo o farmacêutico, agrícola, biotecnológico e tantos outros, dependem fundamentalmente de pesquisas e uso de recursos genéticos para o desenvolvimento de seus produtos. Veladamente, os países que sediam as grandes empresas multinacionais e institutos de pesquisa nessa área temem que um acordo internacional que estipule regras claras para o uso desses recursos interfira na forma lucrativa como fazem negócios mundo afora. Principalmente, porque não há nada hoje que os force a repartir com os países de origem os benefícios econômicos e tecnológicos de tais empreendimentos.

Por outro lado, um acordo que impeça a inovação e restrinja pesquisas importantes, ao tornar os métodos extremamente burocráticos, pode ser prejudicial para todo o mundo.

A negociação de tal protocolo ganha então uma complexidade tremenda:

i) o que fazer no caso dos recursos genéticos que já foram coletados e hoje se encontram em coleções públicas e privadas nos países ricos?
ii) o acordo vale também para os derivados desses recursos genéticos?
iii) como forçar países a cumprir as regras estabelecidas? Cabe punição?
iv) o que fazer numa situação de emergência global, como nos casos das epidemias? Um caso bastante citado é quando a gripe aviária se alastrou pelo mundo. A Indonésia forneceu os genes do vírus. Laboratórios ocidentais desenvolveram vacinas a partir desses materiais e lucraram bilhões revendendo-as aos países pobres.
v) como incorporar de forma justa o acúmulo de conhecimento de milhares de anos dos povos tradicionais, resguardando o consentimento prévio dessas populações quanto ao acesso aos recursos de seus territórios?

b)
Plano Estratégico: o único consenso que existe entre todos os países aqui em Nagoya é que as metas de 2010 para a biodiversidade não foram atingidas. A diversidade de genes, espécies e ecossistemas continua a declinar, enquanto as pressões sobre a biodiversidade continuam constantes ou aumentando, agravadas agora pela mudanças climáticas e aumento populacional.

A partir dessa constatação, os países aqui se esforçam para aprovar um plano estratégico que trás uma visão para 2050, em que
“a biodiversidade é valorizada, conservada, restaurada e usada de forma sábia. Enquanto os serviços ecossistêmicos são mantidos, sustentando um planeta saudável e entregando os benefícios essenciais a todos os povos”.

A missão do plano vem em seguida, mas ainda existe muito debate entre três opções. Uma mais e outras duas menos ambiciosa; e ligada ou não com a disponibilidade de recursos financeiros necessários para atingi-la. Como é a missão que acaba sendo comunicada ao público em geral, existe um grupo específico de negociadores e países somente para definir esse parágrafo.

Na sequência têm-se cinco objetivos estratégicos acompanhados de suas metas respectivas. O horizonte temporal dessas metas é 2020.

Por mais vago que algumas dessas metas possam parecer, em conjunto elas atacam as causas da perda de biodiversidade, como modos de consumo, impactos do comércio internacional e mudanças demográficas.

A meta 3 do texto em negociação, por exemplo, fala em eliminar até 2020 os subsídios governamentais que têm impacto negativo sobre a biodiversidade. Estima-se que somente nos países desenvolvidos os subsídios para pesca industrial, agricultura intensiva e indústria fóssil atinja 500 bilhões de dólares ao ano.
Um plano, mesmo que vago, é melhor do que nenhum. Sem plano os lideres mundiais sinalizarão que sabem que estamos acabando com o que sustenta a vida no planeta mas que isso não tem importância. Adivinha que vai pagar a conta?

c)
Aumento dos Recursos Financeiros: para atingir todas as metas que serão estabelecidas nesse novo plano estratégico é necessário aumentar em até 100 vezes a quantidade atualmente destinada à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade. Estima-se que são necessários recursos da ordem US$ 300 bilhões ao ano. No cenário atual, no qual a maior parte dos governos está quebrada, fica difícil que esse comprometimento seja de fato realizado. Daí entra-se num exercício “ovo-galinha” nas negociações das metas e recursos financeiros. Os países pobres não aceitam metas ambiciosas sem o direto comprometimento de transferência de recursos por parte dos países ricos.

Felizmente está claro que não só de transferências internacionais essas quantias serão garantidas. Muitas discussões e propostas em torno de modelos inovadores de financiamento estão ganhando corpo aqui em Nagoya, como por exemplo: i) pagamento por serviços ambientais, ii) um novo mecanismo chamado “Green Development Mechanism”, que envolveria em larga escala a participação do setor privado, iii) REDD+, e iv) estratégias de mobilização de recursos dentro de cada país.

De qualquer modo, é fundamental que países preservem no documento final a menção de metas numéricas em relação à mobilização de recursos financeiros. Só assim é possível o acompanhamento do seu cumprimento por todos os outros atores envolvidos.

Confuso, lento e às vezes distante da realidade. É assim o processo da ONU em sua melhor forma. Ao menos, transparente e participativo.

sábado, 23 de outubro de 2010

02 | Por que somos líderes?

Existe uma forte correlação entre tamanho de um território e diversidade de vida. Isso é até um pouco óbvio, já que quanto mais espaço maior é chance para as espécies se originarem e interagirem umas com as outras. Outra forte correlação com biodiversidade é a exposição ao Sol. Não é a toa que nos trópicos há muito mais vida do que em regiões temperadas.

Se esses dois atributos, tamanho e proximidade do Equador, já são importantes, considerem ainda que detemos em território nacional mais de 60% da Amazônia. Dos ecossistemas terrestres as florestas são as mais ricas em variabilidade de vida.

Para completar o Brasil ainda abriga sete distintos biomas que são regiões que se diferenciam umas das outras por suas características climáticas, vegetais e geográficas. São eles: Pantanal, Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Campos Sulinos e Zona Costeira.

Somos grande, banhados pelo sol e diversificados geográfica e biologicamente.

Não há dúvida então. Se existe algo em que somos realmente potência mundial é em Biodiversidade. Mas de que adianta isso? E quais são as implicações políticas e econômicas dessa liderança?

Numa conferência entre os países em que se negocia de acesso aos recursos genéticos à mobilização de recursos financeiros para conservação, essa vantagem nos deixa em posição privilegiada para negociar e defender nossos interesses. Somos também lideres de um grupo de países aqui apelidados de Megadiversos.

O principal objetivo da diplomacia brasileira aqui em Nagoya é aprovar o protocolo internacional que regula a exploração dos recursos genéticos e a repartição de seus benefícios, “ABS” pela sigla em inglês. Paulino de Carvalho Neto, diretor de meio ambiente do Itamaraty, foi enfático numa coletiva de imprensa, ontem, ao afirmar que sem a aprovação do protocolo o Brasil vai procurar impedir a aprovação de todos os outros temas em negociação. Isso inclui um novo plano estratégico mundial que traz consigo o componente de financiamento para as ações de conservação e uso sustentável da biodiversidade.

É uma posição arriscada, mas faz sentido. Estima-se que menos de 1% dos valores dos produtos industriais que tem a biodiversidade como base fique no país de origem. A ausência de tal protocolo é também apontada por especialistas como a principal razão para o não cumprimento das metas estimuladas para 2010, ao lado da insuficiência de recursos financeiros.

Infelizmente, essa posição de liderança no cenário internacional ainda não reflete a devida incorporação da biodiversidade em nossa agenda política e econômica nacional. É necessário incorporá-la ao nosso modelo de desenvolvimento para aproveitar essa inigualável vantagem competitiva.

Para isso, destaco quatro pontos fundamentais:

1. Aprovar o marco regulatório para bioprospecção e uso econômico dos recursos genéticos: existe uma proposta hoje parada na Casa Civil que pretende flexibilizar e tornar mais transparentes os procedimentos para instituições de pesquisa e empresas. O Congresso deve aprová-la rapidamente independentemente das negociações internacionais. Assim daremos o exemplo.

2. Aumentar maciçamente o investimento em pesquisa e desenvolvimento: esse investimento deve ter um foco em inovação, sendo tanto público como privado. Além de investimentos diretos, o governo também deve usar instrumentos fiscais, tributários e creditícios com o foco na criação de patentes nacionais para os produtos com origem na nossa biodiversidade.

3. Transversalizar a biodiversidade no planejamento e gestão efetiva do território:
o planejamento da infraestrutura deve considerar nosso patrimônio biológico. Ele tem que ser feito de forma integrada e não de projeto a projeto. Os impactos ambientais precisam ser analisados não apenas na fase das licenças mas ao longo de todo o empreendimento, inclusive durante sua vida útil. Principalmente, no caso caso das grandes hidrelétricas na Amazônia.

4. Revisão do código florestal:
a atual discussão desconsidera e simplifica demais o debate ao focar somente no percentual de Reserva Legal e tamanho de área de preservação permanente (APP). Precisamos na verdade é de um “Código da Biodiversidade”, que teria diretrizes específicas para as grandes regiões naturais do país, como defende nosso mais importante geógrafo dr. Aziz Nacib Ab’Saber
(ver http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/06/25/do-codigo-florestal-para-o-codigo-da-biodiversidade/)

Aceitar a responsabilidade de ser potência, definindo uma agenda nacional compatível com nosso potencial em biodiversidade, é o único caminho para liderarmos a discussão de um dos mais importantes temas da humanidade nesse século 21: nossa própria existência como espécie no planeta.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

01 | Contextualização - Da Rio 92 a Nagoya 2010

Assim como nas negociações sobre as mudanças climáticas, a agenda da Biodiversidade também teve seu início formalizado no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1992.

Mas por que um tema como a Biodiversidade merece um acordo global entre todos os países?

Seguindo ao pé da letra a definição da própria convenção, “
biodiversidade é variabilidade entre organismos vivos de todas as origens, compreendendo os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro das espécies, entre espécies e de ecossistemas”. É na verdade um acordo sobre a própria vida. Daí a sua importância, que estranhamente é pouco reconhecida.

O
Japan Times, jornal mais importante aqui do Japão, em edição especial sobre a COP10, a descreveu como “uma conferência de Deus”. Religiosidade a parte, é essa de fato a importância dos temas discutidos e negociados aqui.

Existem atualmente 193 Partes (192 países + União Européia) que ratificaram o texto da Convenção, comprometendo-se em termos gerais a implementar medidas nacionais e internacionais para alcançar três objetivos:

1. Conservar a diversidade biológica;
2. Promover o uso sustentável de seus componentes;
3. Assegurar a repartição equitativa e justa dos benefícios dos recursos genéticos.

Ao longo de seus 42 artigos, o texto da Convenção funciona como uma espécie de guia prático e permanente aos países membros para alcançar tais objetivos.

É esse, entretanto, o verdadeiro problema. Quase nada do que foi acordado no papel se materializou na prática em relação à redução da perda da diversidade do planeta. Na verdade, a biodiversidade vem se reduzindo em níveis cada vez mais intensos.

Experimentem uma leitura do “Panorama da Biodiversidade Global 3 (GBO3)”. Procurem no Google (disponível em http://www.cbd.int/doc/publications/gbo/gbo3-final-pt.pdf). É absolutamente deprimente o nível em que já dilapidamos o planeta.

O próprio relatório adverte que “
nenhuma das vinte e uma submetas que acompanham o objetivo global de reduzir significamente a taxa de perda de biodiversidade até 2010 foi definitivamente alcançada em nível mundial”. E pior, “não há indicação alguma de uma redução significativa da taxa de declínio da biodiversidade, nem de uma redução significativa das pressões sobre ela”.

Chegamos agora em Nagoya, no fim da primeira década do século 21, deparados com esse problema sem igual proporção. Infelizmente, não me parece que há vontade política, financiamento adequado e mesmo capacidade técnica para uma solução verdadeira.

Ainda, segundo o relatório, “
as medidas tomadas durante as duas próximas décadas e a direção traçada no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica determinarão se as condições ambientais relativamente estáveis das quais a civilização humana tem dependido durante os últimos 10 mil anos continuarão para além desse século. Se não formos capazes de aproveitar essa oportunidade, muitos ecossistemas do planeta se transformarão em novos ecossistemas, com arranjos sem precedentes, nos quais a capacidade de suprir as necessidades das gerações presentes e futuras é extremamente incerta”.

Dentre os milhares de panfletos e matérias que circulam por aqui, uma em especial me chamou atenção. É de uma agência de publicidade chamada Futerra. Ela propõe uma nova forma de comunicar esse tema e acabei me influenciando com o que li. Ao invés de mensagens de extinção e catástrofes, normalmente utilizadas para falar desse assunto e que em geral só causam apatia, o estudo sugere o uso de palavras de exemplos que demonstrem amor e necessidade de mudança e ação.

Fiz o possível para encontrar esses temas positivos, que trazem empatia para o leitor e provocam mudanças individuais e públicas. O melhor que consegui foi disponibilizar o vídeo de umas das criaturas mais bonitas do mundo convidando-nos a agir pela biodiversidade.


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

00 | O Brasil e a Biodiversidade

Caros leitores,

Gostaria de convidá-l@s a receber, refletir, participar e compartilhar os relatos que farei nesses espaço, que pretendem contextualizar e descrever o encontro/reunião dos países signatários da Convenção da Biodiversidade (COP-10) que ocorrerá em Nagoya no Japão, entre os dias 18 e 30 de Outubro.

A Biodiversidade é fundamental para a existência da vida como a conhecemos. O Brasil é a maior potência bruta em Biodiversidade do Planeta. Detemos em nosso território aproximadamente 20% de toda a diversidade da Terra, mas ainda carecemos de capacidade técnica e vontade política para transformar esse ativo imensurável em benefício social e econômico.

Vou procurar ao longo de 5 textos demonstrar a importância e a responsabilidade que temos, tendo como pano de fundo um encontro entre todos os países do mundo.

1. Contextualização – Da Rio 92 a Nagoya 2010
2. Por que somos líderes?
3. As negociações
4. Economia & Biodiversidade
5. O que vem pela frente

Eles serão enviados por email a participantes de minhas listas de contatos nas próximas 2 semanas. Depois poderão ser acessados a qualquer momento neste blog.

Obrigado,

Plínio Ribeiro