Imaginem se fôssemos capazes de
alterar o nível de radiação solar que
entra no planeta a cada instante. Ou capazes de mudar a composição das nuvens
de forma as tornar ainda mais brancas. Ou ainda colocar espelhos no espaço para
que estes refletissem de volta parte da luz do sol!
Ficção científica, delírio, ou
ciência?
Bem vindos ao século XXI, onde
nossa capacidade de alterar os ciclos naturais da Terra está deixando de ser
apenas um subproduto do modelo de desenvolvimento adotado, e se tornando uma
ação consciente em busca de “tecnologias” capazes de transformar alguns ciclos
naturais, que levaram bilhões de anos para permitir a vida por aqui, moldando-os
de acordo com nossas preferências.
Preferências de quem? Alterar em
que magnitude? Em quais circunstâncias? De forma definitiva? Sob quais cuidados
e supervisão? A partir de quais análises de riscos? Com o consentimento de
quem?
Escrevo sobre a Geoengenharia, um
conceito ainda em busca de uma definição precisa, mas que já provoca uma série
de indagações éticas, econômicas e geopolíticas. Nos próximos anos e décadas será
tema de debates calorosos entre as sociedades. A Geoengenharia será para o
século XXI o que a fissão nuclear (incluindo seu subproduto a bomba atômica)
foi para o século XX.
Segundo a Convenção de
Biodiversidade, a Geoengenharia é entendida hoje como uma “intervenção
deliberada no ambiente planetário, em escala suficiente para contrapor os
efeitos negativos das mudanças climáticas causadas pela humanidade[1]”.
A academia real de ciência da Inglaterra publicou um estudo[2]
em 2009 no qual dividiu a Geoengenharia climática em dois tipos:
1. Métodos de remoção
de CO2 da atmosfera: em que o principal, e mais contraditório, exemplo é
fertilizar os oceanos com bilhões de toneladas de nutrientes (ferro, fósforo,
nitrogênio) estimulando assim o crescimento de um tipo de alga que absorve CO2
depositando-o no fundo do mar quando morrem.
2. Métodos de gestão
da Radiação solar: nesse caso a ideia não é retirar da atmosfera os gases
de efeito estufa que há séculos estamos emitindo, mas sim atacar diretamente a
“fonte do problema” do aquecimento global, ou seja, diminuir a intensidade de
radiação solar que entra no sistema a todo instante. Como? Entupindo a
estratosfera com aerossóis que refletem de volta a luz do sol, ou mudando a
composição das nuvens de modo as tornar mais refletoras, ou ainda instalando
espelhos no espaço.
A Convenção para a Diversidade
Biológica é hoje o principal fórum de deliberação coletiva sobre a
possibilidade de adotar ou mesmo sobre a mera possibilidade de se realizar
pesquisa em Geoengenharia. Em Nagoya em 2010 os países acordaram em estipular
uma moratória para o teste e desenvolvimento dessas tecnologias.
A famosa decisão X/33 foi bastante
comemorada por diplomatas e ativistas, mas não impediu, e não está impedindo
que testes continuem a ser realizados. Poucos meses atrás, em Julho desse ano,
uma empresa Canadense despejou 100 toneladas de sulfato de ferro no Pacífico
Norte, criando uma colônia de algas que ocupou uma área equivalente a um milhão
de hectares (metade do Estado de Sergipe).
Existem provas de que uma série
de outros estudos e testes foram realizados nos últimos anos. Não só são um
desrespeito às leis internacionais, como também um possível atentado à vida no
planeta[3].
As consequências indiretas de um experimento como esse são absolutamente
desconhecidas, mas há evidências de que alterações no nível de radiação solar
poderiam, por exemplo, levar a mudanças significativas no regime de chuvas aqui
nos trópicos.
Aqui na Índia depois de intensas
negociações a moratória foi renovada, mas começa a ficar claro que esse fórum não
é suficiente para implementá-la, e um intenso debate sobre governança começa a
se formar em torno do tema. Um dos argumentos é a que Convenção traz como
princípio básico a autonomia de seus territórios (jurisdição), mas no caso de
qualquer teste ou uso de uma modalidade de Geoengenharia, os efeitos positivos
ou negativos se espalhariam muito além das fronteiras nacionais.
O argumento mais utilizado pelos
governantes de países e instituições a favor dessas tecnologias é que elas são
a maneira mais rápida de se resolver o problema das mudanças do clima, servindo
como um a desculpa perfeita para adiar a implementação de medidas reais como
redução das emissões e investimento em adaptação.
Acima de tudo é uma questão
militar. A possibilidade de acessar recursos militares quase infinitos é uma
grande tentação para cientistas em busca de financiamento para suas pesquisas. Já
os militares entendem bem que a “possível” capacidade de controlar a natureza e
o clima é a forma mais absoluta de poder. Não dá para imaginar esse cenário de “guerra
nas estrelas” sem o envolvimento direto do exército de países como os EUA e
China. Não por acaso, é comum ver diplomatas dos EUA participando de todas as
reuniões sobre Geoengenharia aqui na COP, mesmo sendo o único país do mundo que
não ratificou a Convenção de Biodiversidade.
O mínimo que podemos cobrar
enquanto cidadãos desse planeta é transparência absoluta no que tange a
Geoengenharia. A combinação de ciência e recursos militares em propósito de
interesses obscuros pode ser fatal.
Nessa encruzilhada entre valores éticos
e morais com o papel da ciência num mundo cada vez mais quente, não posso
deixar de citar um parágrafo do livro o
Humano, a Orquídea e o Polvo, de Jacques Cousteau:
“Se é para morarmos em segurança nesse nosso único globo, temos que
reconhecer que precisamos dos cientistas para nos dar a verdade e dos
humanistas para nos dizer o significado dessa verdade. Precisamos dos
cientistas para nos proteger da natureza, e dos humanistas para nos proteger de
nós mesmos”.