sexta-feira, 5 de novembro de 2010

05 | O que vem pela frente



Sábado, 30 de Outubro de 2010. Nagoya, Japão. As três horas da manhã, o ministro japonês do meio ambiente, Ryu Matsumoto, finalmente dá última martelada. Está encerrada a décima conferência dos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica.

É um momento histórico, e os representantes dos mais de 200 países ali presentes sabem disso. Um fracasso aqui, depois do exagerado fracasso anunciado em Copenhague nas negociações sobre o clima, teria colocado um grande ponto final na tentativa dos países do mundo, conjuntamente, procurarem soluções para esse problema que é verdadeiramente global.

Entre as decisões que foram tomadas nessa Conferência e a efetiva redução, ou mesmo o fim, da perda da biodiversidade em escala planetária muito trabalho precisa ser feito. Num mundo onde o aumento populacional ainda é realidade nos próximos 40 anos e a escassez de recursos naturais é cada vez mais eminente, as metas e os compromissos aqui assumidos só serão realizados se esse tema for de fato incorporado à agenda econômica e política de cada país.

Uma vitória da diplomacia, no entanto, não significa necessariamente uma vitória para cada gene, espécie e ecossistema que possibilitam a vida como a conhecemos.

Ainda assim, é preciso reconhecer a liderança e o pragmatismo Japonês pela incansável busca por um consenso e finalmente um acordo. Merece destaque também a capacidade de articulação e visão do time de negociadores brasileiros.

Mas o que de fato foi acordado e o que vem pela frente?

a) Protocolo de Nagoya: é assim que passa a ser conhecido o conjunto de regras e procedimentos para o acesso e repartição de benefícios advindos do uso dos recursos genéticos. É um documento complexo e quem deseja conhecê-lo na íntegra pode encontrá-lo em
http://www.cbd.int/doc/meetings/cop/cop-10/in-session/cop-10-l-43-rev-1-en.doc

Vale destacar que são regras genéricas sujeitas à adaptação de acordo com as legislações nacionais de cada pais. O Brasil tem um projeto de Lei aquém do nosso potencial e atualmente parado na Casa Civil. É de nosso maior interesse aprová-lo rapidamente e aproveitar a vantagem comparativa em relação a outros países. Não há momento mais oportuno para envolver os mais importantes centros científicos do país, as empresas interessadas e comprometidas e as comunidades tradicionais geradoras de conhecimentos, numa agenda de desenvolvimento compatível com nossa supremacia em biodiversidade.

Mais importante ainda deve ser a mensagem para nossos legisladores e juízes: fazer pesquisas em nossas florestas, seja para uso comercial ou não, deve deixar de ser visto como crime em potencial, para ser visto como potencial gerador de riqueza para o país. Chega de ignorância. Chega de paranóia.

b) Plano Estratégico 2011-2020: a missão do plano aprovado, de acordo com a tradução que fiz, é a seguinte:

“Agir de forma efetiva e urgente para acabar com a perda da biodiversidade, assegurando que em 2020 os ecossistemas estejam resilientes e continuando a provir seus serviços essenciais, assim sendo, assegurando a variabilidade de vida no planeta, e contribuindo para o bem estar humano e erradicação da pobreza.

Para que isso aconteça, as pressões sobre a biodiversidade serão reduzidas, ecossistemas recuperados, recursos biológicos usados sustentavelmente e os benefícios do seu uso são distribuídos de maneira justa e equitativa; recursos financeiros são providos de forma adequada, capacidades aumentadas, valores e questões da biodiversidade adquirem a devida importância, políticas públicas apropriadas são efetivamente implementadas, e processos de decisão são baseados em rigor científico e seguem o princípio da precaução”
.

Daí tem-se as 20 metas, das quais destaco e analiso de forma sucinta:

• Meta 3: Até 2020 no máximo, os incentivos, incluindo subsídios, que destroem a biodiversidade são eliminados ou reformados para minimizar seus impactos negativos, enquanto incentivos positivos para conservação e uso sustentável da biodiversidade são desenvolvidos e aplicados (..), levando em consideração as características sócio-econômicas de cada país.

Enquanto houver mais recursos direcionados às atividades que destroem a biodiversidade do que para àquelas que conservam, atingir qualquer uma das outras metas será praticamente uma missão impossível. Essa meta vai na direção certa, mas faltou combinar com o pessoal do comércio internacional e da indústria fóssil.

• Meta 4: até 2020 no máximo, governos, empresas e outros stakeholders em todos os níveis tomaram medidas para implementar ou implementaram seus planos para produção e consumo sustentável, e mantiveram os impactos do uso de seus recursos naturais dentro de limites ecológicos seguros.

O Brasil já tem o seu plano confeccionado. Falta implementá-lo. O problema é que com a ausência absoluta desse tema na agenda dos candidatos à presidência (com exceção da Marina Silva), corre-se o risco de ser mais um daqueles planos que nunca sairão dos gabinetes de Brasília.

• Meta 5: até 2020, a taxa de perda de todos os habitats naturais, incluindo as florestas, será pelo menos reduzida pela metade, e onde for viável será reduzida a zero, e a degradação e fragmentação reduzidas significativamente.

O destaque para as florestas é uma clara mensagem política da importância que esse ecossistema, o qual detemos a porção mais importante entre todos os países, adquiriu. Ficou claro em Nagoya que as florestas e seu mecanismo financeiro associado REDD+ (http://brasileoclima.blogspot.com/2009/12/04-o-papel-da-amazonia.html) são a ponte para unir as duas agendas tão complementares: biodiversidade e clima. Para essa Meta 5, no entanto, faltou indicar qual é claramente essa taxa hoje (baseline) para termos um parâmetro de comparação.

• Meta 6: até 2020 os estoques de todos os peixes e invertebrados, assim como de todas as plantas aquáticas, são geridas e colhidas sustentavelmente, legalmente e sob uma gestão ecossistêmica, assim a sobrepesca é evitada, ações e planos de recuperação para todas as espécies em risco estão implementados, a indústria da pesca não traz impacto adverso significativo sobre as espécies ameaçadas e os ecossistemas vulneráveis, e o impacto dessa indústria sobre os estoques, espécies e ecossistemas estão dentro de limites ecológicos seguros.

A pesca nos oceanos é a corresponde a mais de 15% da fonte de proteína para 3 bilhões de pessoas no mundo. Assim como deixamos de ser caçadores e coletores na terra para nos transformar em agricultores o mesmo precisa ser feito nos oceanos. E isso será uma verdadeira revolução.

• Meta 8: Até 2020, a poluição, incluindo a advinda do excesso de nutrientes, será reduzida a níveis que não sejam prejudiciais ao funcionamento dos ecossistemas e a biodiversidade.

A principal fonte de poluição é a agricultura intensiva e irresponsável, que tem como seus subprodutos os fertilizantes, inseticidas e outros. Manejá-los adequadamente garantido que eles não cheguem aos lençóis freáticos é fundamental. Nem os países ricos estão devidamente preparados para isso.

• Meta 11: Até 2020, pelo menos 17% do território mundial incluindo os rios e lagos, e 10% das áreas marinhas, especialmente em áreas de relevante importância pela biodiversidade e serviços ecossistêmicos, são conservados por uma gestão efetiva e equitativa, ecologicamente representativa e bem conectadas com sistemas de áreas protegidas e outras medidas efetivas de conservação, e integradas dentro de um conceito de paisagem.

Poderíamos ter sido mais ambiciosos nessa meta. Existia a possibilidade de chegar a 25% no terrestre e 20% nos oceanos. De qualquer maneira, são números importantes, principalmente nos oceanos, onde as áreas efetivamente protegidas não passam de 1%. Em terra, o desafio é a gestão eficiente desse território. Temos um bom exemplo a oferecer que é o programa ARPA (http://www.site.funbio.org.br/teste/OqueFazemos/Solucoes/Arpa.aspx).

• Meta 15: Até 2020, a resiliência dos ecossistemas e a contribuição da biodiversidade para os estoques de carbono são aumentadas através da conservação e restauração, incluindo a restauração de pelo menos 15% dos ecossistemas atualmente degradados, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, adaptação e combatendo a desertificação.

Em nosso país, onde temos quase 70 milhões de hectares de áreas degradadas somente na Amazônia Legal, essa é uma meta que merece destaque. Recuperar áreas degradas é um importante gerador de renda e emprego. Além disso, serve para diminuir a pressão em áreas que ainda dispõem de vegetação nativa.

• Meta 16: Até 2015, o Protocolo de Nagoya sobre o acesso e repartição de benefícios advindos do uso dos recursos genéticos está em força e operação, compatível com a legislação nacional de cada país.

Esse prazo seria para 2020, se não fosse a intervenção do nosso embaixador Luiz Alberto Figueiredo na plenária final da COP10. O Brasil teve papel de muito destaque ao fazer a ponte entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos nesse tema fundamental.

• Meta 20: Até 2020 no máximo, a mobilização de recursos financeiros para a efetiva implementação do Plano Estratégico 2011-2020, de todas as fontes e de acordo com o processo acordado e consolidado na Estratégia para Mobilização de Recursos, deve aumentar significativamente em relação aos níveis atuais. Essa meta está sujeita a mudanças a partir do estudo de necessidades de recursos que será realizado e reportado por cada país.

Infelizmente, aqui faltou uma indicação numérica. Os países mais ricos, talvez pela precária situação econômica atual, não se comprometeram com o nível que era necessário. O que significa substancialmente? Como averiguar? Estima-se que os recursos aplicados hoje sejam da ordem de US$ 30 bilhões. Em algumas versões desse documento, antes da aprovação final, era mencionado um aumento de até 10 vezes “Show me the Money!”. Mas ninguém apareceu e isso pode por em risco o plano todo.

Quem se interessar pelo documento completo com todas as decisões da COP10 pode acessar o documento completo em:
http://www.cbd.int/doc/meetings/cop/cop-10/official/cop-10-01-add2-rev1-en.pdf

Termino essa série de artigos relembrando uma intervenção feita pela delegação da Juventude numa das plenárias, que foi direcionada a todos os negociadores presentes em Nagoya, e também àqueles que ocupam posições relevantes em cada país e que lá não estavam:

Vocês são os lideres de hoje. Vocês têm que garantir que teremos um mundo para vivermos amanhã

Imperfeito e incompleto, temos um plano para essa década. Aos 28 anos, não sei se estou mais para o lado da delegação da juventude ou para o lado dos diplomatas e negociadores, mas sei que somente a implementação efetiva e o cumprimento do que aqui foi acordado pode garantir um planeta para vivermos amanhã.