quinta-feira, 28 de outubro de 2010

04 | Economia & Biodiversidade

Não há como ignorar os ganhos materiais conquistados ao longo dos últimos dois séculos em todo o mundo. Não tão bem distribuídos é verdade, mas vivemos num grau de conforto, abundância e expectativa de vida absolutamente inimagináveis pelas gerações que nos precederam.

Porém, o modelo que nos trouxe até aqui está esgotado. A crise de dois anos atrás é apenas a superfície de algo muito mais fundamental: a maneira como incorporamos o valor dos bens e serviços da natureza em nosso sistema econômico. A realidade é simples: não incorporamos.

A água que bebemos, que gera nossa energia e que irriga nossa agricultura. O solo em que cultivamos. Os corais que protegem e alimentam bilhões de pessoas no mundo. As florestas que regulam o clima e “fabricam”chuva. Os peixes que pescamos em todos os oceanos. Até o ar que respiramos. Tudo isso são subsídios que nos foram oferecido de graça pelo planeta e que nesse início de século 21 começam a dar sinais claros de esgotamento.

Retirar esses bens e serviços das externalidades econômicas e os colocar no centro das decisões econômicas e políticas deve ser o desafio número 1 de qualquer economista nessa geração.

Um exemplo claro foi o vazamento de petróleo, ocorrido há poucos meses no Golfo do México. Derramaram 780 milhões de litros ou 4.9 milhões de barris. Se multiplicarmos pelo preço do barril de hoje (US$ 80), seria o equivalente a uma perda de US$ 390 milhões de dólares. Soma-se a isso algumas vidas que foram perdidas, mais o custo da limpeza que obviamente foi apenas marginal e alguns, mais “sofisticados”, ainda acrescentariam à conta a desvalorização das ações da British Petroleum (BP), responsável pelo acidente. Pronto chegamos ao custo total do acidente.

Não, não e não. Não dá mais para desconsiderar o valor da biodiversidade, o valor de um ecossistema único como o Golfo do México. Estes valores e os custos associados aos riscos dessas operações devem ser contabilizados. A começar pelos grandes bancos, públicos e privados, que fornecem os empréstimos a tais empreendimentos. Quase todo o petróleo que ainda pode ser explorado no mundo ou está em áreas de altíssimo risco operacional ou em regiões extremamente ricas em biodiversidade. O pré-Sal não é em nada diferente. Estimam-se 180 blocos do petróleo e gás na Amazônia Oriental (Brasil e outros países inclusos), embaixo de aproximadamente 70 milhões de hectares de floresta tropical. Não dá mais para ignorar esse risco. Tem que ser refletido no preço que pagamos. Só assim as energias alternativas se viabilizarão, ganhando a escala necessária.

Nesse sentido, existe um esforço considerável que ganhou bastante corpo aqui em Nagoya e que leva o nome The Economics of Ecosystem and Biodiversity (TEEB). Com o objetivo de iniciar o processo de análise dos benefícios econômicos globais da diversidade biológica, dos custos associados a perda da biodiversidade e o tradeoff entre o custo de conservar versus a falha de tomar medidas de proteção, o TEEB é composto de seis estudos. Direcionados para governos, empresas, mídia e público em geral, esses estudos têm a mesma importância para a inclusão da biodiversidade nas decisões econômicas, assim como o relatório Stern teve para as mudanças climáticas. Vale conferir http://www.teebweb.org/

Alguns dos números que saíram desses estudos nos dão uma boa perspectiva do tamanho do desafio:
• Perdemos o equivalente a US$800 bilhões ao ano, ao destruir nossos sistemas naturais. Isso equivale a quase metade o PIB brasileiro.
• O custo projetado para conservar e zerar a perda da biodiversidade e serviços ecossistêmicos é da ordem de US$300 bilhões. Hoje o investimento não chega a US$30 bilhões.
• Só nos países desenvolvidos os subsídios para pesca industrial, agricultura intensiva e indústria fóssil é da ordem de US$ 500 bilhões ao ano.

Num excelente livreto aqui publicado, “The Little Biodiversity Finance Book”, o fundador do Global Canopy Programme, Andrew Mitchell, vai ao ponto:

Oscar Wilde, novelista inglês, dizia que o cínico era aquele que sabia o preço de tudo, mas não conhecia o valor de nada. O cínico de hoje é aquele que sabe o valor da biodiversidade, mas falha em lhe atribuir um preço.”

Existem, é verdade, razões técnicas para esse cinismo coletivo. A principal delas é a dificuldade de atribuir à biodiversidade indicadores apropriados. Enquanto isso não for resolvido fica difícil inseri-la nas contabilidades empresariais e nacionais.

A boa notícia é que daqui de Nagoya pode sair a criação de uma plataforma científica intergovernamental de biodiversidade e serviços ecossistêmicos (IPBES, pela sigla em inglês). Tal plataforma será composta por cientistas de todo o mundo e vai melhorar a interação entre ciência e políticas públicas em níveis regionais e globais. Sua efetividade ainda depende de uma aprovação na Assembléia Geral da ONU, e existem boatos de que o governo brasileiro estaria pleiteando sediar a plataforma fazendo jus a nossa liderança na área.



The Economics of Ecosystems and Biodiversity from teeb4me on Vimeo.