quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A agenda da Biodiversidade daqui pra frente


O sistema de contabilidade dos países nesse século XXI mudará da medição da produção interna para a medição da riqueza interna. A Biodiversidade será então componente fundamental da nossa riqueza.
Existe uma série de iniciativas em curso procurando uma maneira de contabilizar, por exemplo, o valor das áreas naturais e de seus respectivos serviços ambientais, ou em que extensão os recursos renováveis estão sendo consumidos além da capacidade que os tornam renováveis, e ainda as perdas agrícolas e urbanas causadas por eventos climáticos de maior intensidade e frequência por conta das mudanças do clima. Como exemplo, vejam as consequências, inclusive políticas, do furacão Sandy na costa leste americana.
Somente num sistema de contabilidade dessa natureza é que a biodiversidade, sua conservação e uso sustentável, podem ser levados a sério nas decisões de nossos governantes e empresas. Sem essa nova lógica contábil a destinação de recursos financeiros para essa finalidade, que só é tratada como custo, fica refém da disponibilidade de recursos financeiros gerados pela produção. Num mundo em crise econômica esses recursos desaparecem. Aqui na convenção isso se materializa na forma de diplomacia da revisão dos compromissos ou na interminável construção de indicadores. A implementação, que é chave, fica mais pra frente.
Há duas semanas, na Índia, os representantes dos 193 países signatários da Convenção da Diversidade Biológica avançaram apenas timidamente no compromisso de mobilizar recursos para alcançar as chamadas metas de Aichi. Enquanto os países em desenvolvimento cobram uma duplicação do que é atualmente transferido para eles, os desenvolvidos não concordam com a metodologia do cálculo. Eles questionam: “dobrar em relação a quê?”
A relação entre disponibilidade de recursos financeiros e o atingimento de metas para a biodiversidade não é nada linear. Um levantamento global estimou a necessidade de recursos necessários para cumprir o plano estratégico 2011-2020 numa ordem entre US$150 e US$440 bilhões. Nenhum compromisso foi selado na Índia para suprir essa importante demanda, e, enquanto o sistema de contabilidade continuar tratando tais recursos apenas como custos e não investimentos, tal quantia dificilmente será mobilizada.
Vejam o caso da meta 11 no Brasil, por exemplo. Entre outras coisas a meta estipula que até 2020 pelo menos 10% das áreas marinhas e costeiras terão sido conservadas por meio de sistemas de áreas protegidas. Hoje, no país, temos aproximadamente 3,15% protegidos dessa maneira. Elevar para 10% requer quantidades substantivas de recursos públicos, principalmente relacionados a gastos com pesquisa, delimitação, segurança e gestão. No entanto, se considerarmos os benefícios diretos para a indústria da pesca, gerados pelo manutenção de estoques pesqueiros, e para a indústria do turismo, fundamentais para a população residente no litoral, esse investimento se pagaria em larga medida.
Mensurar, apreciar e transformar em fatos políticos os benefícios diretos obtidos por investimentos em “capital natural” é a chave para a incorporação da biodiversidade nas políticas de desenvolvimento do país. Quanto maior o tempo de implementação, maior será o custo da perda de serviços essenciais para a manutenção da vida nesse planeta.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O status do Protocolo de Nagoya


De forma simplificada e quase filosófica, o Protocolo de Nagoya é o conjunto de regras e diretrizes internacionais que regula o acesso aos recursos genéticos para o benefício da humanidade. Questões fundamentais como segurança alimentar, saúde pública e conservação da biodiversidade, serão afetadas de acordo com o grau de adesão dos governos, das empresas e das comunidades tradicionais ao protocolo. Com o teor das decisões aqui na COP11, é possível afirmar que ele já passe a valer a partir de 2014.
Refletido em seu primeiro artigo, o objetivo é a “distribuição justa e equitativa dos benefícios oriundos dos recursos genéticos, incluindo o acesso apropriado a tais recursos e também a apropriada transferência de tecnologias relevantes, levando em consideração todos os direitos sobre esses recursos e tecnologias, e também o financiamento apropriado, contribuindo assim para a conservação da diversidade biológica e o uso sustentável de seus componentes”.
Com 36 artigos acordados mutualmente entre os países o protocolo foi assinado na Convenção de Biodiversidade em 2010 na cidade de Nagoya no Japão, daí o nome. Os EUA não signatários na Convenção também não o assinaram e, portanto, não se sabe como se enquadrarão nas regras internacionais. A divisão de interesses dos países desenvolvidos, que em geral já perderam grande parte da sua biodiversidade e possuem tecnologias e capital para obter valor dos recursos genéticos de um lado, e os países menos desenvolvidos, ricos em biodiversidade e pobres em tecnologia e capital de outro, fez com que as negociações se arrastassem por quase duas décadas.
No entanto, a efetiva entrada em vigor do Protocolo de Nagoya depende da ratificação de pelo menos 50 países. Como cada país tem um processo interno e distinto de ratificação, em geral via uma legislação nacional que segue as diretrizes do Protocolo, foi importante as decisões e reflexões ocorridas aqui na Índia. Segundo o plano acordado, só mais uma reunião do Comitê Intergovernamental do Protocolo de Nagoya deve ser realizada antes de sua adoção prevista para a próxima reunião da Convenção de Biodiversidade que será realizada na Coréia de Sul em 2014.
Poucos países podem se beneficiar tanto como o Brasil de um conjunto de regras que estimule pesquisa e inovação para gerar valor da nossa incomparável biodiversidade. O problema é que o ambiente regulatório é hoje absolutamente restritivo e desencorajador para investimentos na área. Logo se faz necessária uma mudança radical na lei atualmente em vigor (na verdade um medida provisória) que trata todo pesquisador como um potencial biopirata.
Felizmente está em curso um processo de revisão da legislação, envolvendo reuniões periódicas entre o Governo Federal e os mais distintos setores interessados: farmacêuticos, biotecnologia, cosméticos, desenvolvedores de sementes, higiene e beleza, entre outros. Como cada setor faz um uso distinto dos recursos genéticos, é necessário que tal legislação seja flexível o suficiente para não coibir inovação e garanta a distribuição dos benefícios econômicos entre usuários e provedores.
Assim sendo, espera-se que o Congresso Nacional aprove a nova lei e permita o Brasil ratificar o protocolo internacionalmente, influenciando que ele entre em vigor já em 2014.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Uma agenda oculta na Convenção de Biodiversidade

Imaginem se fôssemos capazes de alterar o nível  de radiação solar que entra no planeta a cada instante. Ou capazes de mudar a composição das nuvens de forma as tornar ainda mais brancas. Ou ainda colocar espelhos no espaço para que estes refletissem de volta parte da luz do sol!
Ficção científica, delírio, ou ciência?
Bem vindos ao século XXI, onde nossa capacidade de alterar os ciclos naturais da Terra está deixando de ser apenas um subproduto do modelo de desenvolvimento adotado, e se tornando uma ação consciente em busca de “tecnologias” capazes de transformar alguns ciclos naturais, que levaram bilhões de anos para permitir a vida por aqui, moldando-os de acordo com nossas preferências.
Preferências de quem? Alterar em que magnitude? Em quais circunstâncias? De forma definitiva? Sob quais cuidados e supervisão? A partir de quais análises de riscos? Com o consentimento de quem?
Escrevo sobre a Geoengenharia, um conceito ainda em busca de uma definição precisa, mas que já provoca uma série de indagações éticas, econômicas e geopolíticas. Nos próximos anos e décadas será tema de debates calorosos entre as sociedades. A Geoengenharia será para o século XXI o que a fissão nuclear (incluindo seu subproduto a bomba atômica) foi para o século XX.
Segundo a Convenção de Biodiversidade, a Geoengenharia é entendida hoje como uma “intervenção deliberada no ambiente planetário, em escala suficiente para contrapor os efeitos negativos das mudanças climáticas causadas pela humanidade[1]”. A academia real de ciência da Inglaterra publicou um estudo[2] em 2009 no qual dividiu a Geoengenharia climática em dois tipos:
            1. Métodos de remoção de CO2 da atmosfera: em que o principal, e mais contraditório, exemplo é fertilizar os oceanos com bilhões de toneladas de nutrientes (ferro, fósforo, nitrogênio) estimulando assim o crescimento de um tipo de alga que absorve CO2 depositando-o no fundo do mar quando morrem.
            2. Métodos de gestão da Radiação solar: nesse caso a ideia não é retirar da atmosfera os gases de efeito estufa que há séculos estamos emitindo, mas sim atacar diretamente a “fonte do problema” do aquecimento global, ou seja, diminuir a intensidade de radiação solar que entra no sistema a todo instante. Como? Entupindo a estratosfera com aerossóis que refletem de volta a luz do sol, ou mudando a composição das nuvens de modo as tornar mais refletoras, ou ainda instalando espelhos no espaço.
A Convenção para a Diversidade Biológica é hoje o principal fórum de deliberação coletiva sobre a possibilidade de adotar ou mesmo sobre a mera possibilidade de se realizar pesquisa em Geoengenharia. Em Nagoya em 2010 os países acordaram em estipular uma moratória para o teste e desenvolvimento dessas tecnologias.
A famosa decisão X/33 foi bastante comemorada por diplomatas e ativistas, mas não impediu, e não está impedindo que testes continuem a ser realizados. Poucos meses atrás, em Julho desse ano, uma empresa Canadense despejou 100 toneladas de sulfato de ferro no Pacífico Norte, criando uma colônia de algas que ocupou uma área equivalente a um milhão de hectares (metade do Estado de Sergipe).
Existem provas de que uma série de outros estudos e testes foram realizados nos últimos anos. Não só são um desrespeito às leis internacionais, como também um possível atentado à vida no planeta[3]. As consequências indiretas de um experimento como esse são absolutamente desconhecidas, mas há evidências de que alterações no nível de radiação solar poderiam, por exemplo, levar a mudanças significativas no regime de chuvas aqui nos trópicos.
Aqui na Índia depois de intensas negociações a moratória foi renovada, mas começa a ficar claro que esse fórum não é suficiente para implementá-la, e um intenso debate sobre governança começa a se formar em torno do tema. Um dos argumentos é a que Convenção traz como princípio básico a autonomia de seus territórios (jurisdição), mas no caso de qualquer teste ou uso de uma modalidade de Geoengenharia, os efeitos positivos ou negativos se espalhariam muito além das fronteiras nacionais.
O argumento mais utilizado pelos governantes de países e instituições a favor dessas tecnologias é que elas são a maneira mais rápida de se resolver o problema das mudanças do clima, servindo como um a desculpa perfeita para adiar a implementação de medidas reais como redução das emissões e investimento em adaptação.
Acima de tudo é uma questão militar. A possibilidade de acessar recursos militares quase infinitos é uma grande tentação para cientistas em busca de financiamento para suas pesquisas. Já os militares entendem bem que a “possível” capacidade de controlar a natureza e o clima é a forma mais absoluta de poder. Não dá para imaginar esse cenário de “guerra nas estrelas” sem o envolvimento direto do exército de países como os EUA e China. Não por acaso, é comum ver diplomatas dos EUA participando de todas as reuniões sobre Geoengenharia aqui na COP, mesmo sendo o único país do mundo que não ratificou a Convenção de Biodiversidade.
O mínimo que podemos cobrar enquanto cidadãos desse planeta é transparência absoluta no que tange a Geoengenharia. A combinação de ciência e recursos militares em propósito de interesses obscuros pode ser fatal.
Nessa encruzilhada entre valores éticos e morais com o papel da ciência num mundo cada vez mais quente, não posso deixar de citar um parágrafo do livro o Humano, a Orquídea e o Polvo, de Jacques Cousteau:
“Se é para morarmos em segurança nesse nosso único globo, temos que reconhecer que precisamos dos cientistas para nos dar a verdade e dos humanistas para nos dizer o significado dessa verdade. Precisamos dos cientistas para nos proteger da natureza, e dos humanistas para nos proteger de nós mesmos”.


[1] CBD technical series on the impacts of geoengeneering on Biodiversity.
[2] The Royal Society (2009): Geoengeneering the Climate: Science, governance and uncertainty:

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Investimentos privados em biodiversidade


A insuficiência de recursos financeiros aparece sempre como a desculpa número um dos países para justificar a incapacidade de atingirem as metas impostas coletivamente para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade.
Com dois dos dez anos que temos para atingir as metas de AICHI já passados, e dado que não há saída no curto prazo para um revigoramento da economia mundial, insistir em condicionar a conservação dos nossos recursos naturais apenas com financiamento governamental, principalmente por doações internacionais, é uma absoluta perda de tempo. Perder tempo no ritmo em que destruímos nossos habitats e dizimamos as espécies que habitam esse mesmo planeta é um luxo que não pode ser suportado.
É por isso que uma ideia aparentemente óbvia vem ganhando cada vez mais espaço nesses fóruns internacionais. É a ideia de transformar por completo o ambiente regulatório (leis, subsídios, incentivos fiscais) para que esse seja um indutor de investimentos em conservação ao invés de inibidor.
Num ambiente ideal, o setor privado têm regras claras e perspectivas concretas de retorno. Só assim estaria disposto a realizar investimentos na escala necessária, complementando o cada vez mais escasso recurso governamental para a tarefa.
Mas assim estamos comoditizando a natureza, dizem uns. Outros, preferem o termo “mercantilização da vida”, e uma solução efetiva transforma-se num debate ideológico do século passado. O setor privado passa então a ser tratado como capitalista desalmado, e não como um indutor de inovação, pesquisa e desenvolvimento. A questão fica ainda mais complexa num mundo onde empresas multinacionais tem como principal acionista o governo de seus países de origem, as SOE (State Owned Enterprises) para usar a termologia em inglês. Desnecessário dizer que as chinesas são as mais representativas.
No Brasil, a região amazônica é muito ilustrativa dessa lógica que inibe investimentos, a não ser investimentos fora do sistema formal da economia que diretamente causam mais desmatamento e perda de Biodiversidade.
Para não fugir do tema da conferência, vejam a questão da Lei de acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados. No ritmo atual de nossas pesquisas passaremos os próximos 800 anos somente para catalogar as espécies de animais e plantas [ainda existentes] na Amazônia. A lei é na verdade um medida provisória de 2001 e que basicamente trata qualquer pesquisador, da academia ou das empresas, como um potencial biopirata.
Felizmente o governo brasileiro vem reconhecendo que essa é uma questão fundamental para o desenvolvimento sustentável do país. Participei de um debate aqui em Hyderabad promovido pela Iniciativa Brasileira de Negócios e Biodiversidade representando o MEBB , um dos fundadores da iniciativa ao lado o CEBDS, CNI e Instituto Life. O debate contou também com a presença do secretário de biodiversidade e florestas do ministério do meio ambiente.
Ele descreveu o processo ativo de revisão das principais legislações de incentivo à conservação, entre elas: 
  • Novo código florestal: aprovado essa semana e agora contendo um capítulo específico de incentivo à conservação, trazendo a possibilidade de compenações, e definindo créditos de carbono.
  • O processo de revisão do PL 792/2007 sobre pagamentos por serviços ambientais
  • A revisão da MP de acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais para transformá-la numa lei clara, objetiva e que induza investimentos
Cobrei-o por não mencionar a Estratégia Nacional de REDD+, que também está em elaboração, mas nesse caso pela secretaria de mudanças climáticas e qualidade ambiental.
“Essa também” , respondeu o secretario de florestas e biodiversidade, “mas nesse caso não estou autorizado pelo Itamaraty a discutí-la aqui na COP11”, esquivou-se.
Não aproveitar as florestas para juntar as agendas de clima e biodiversidade me parece um erro estratégico grave do nosso ministério de relações exteriores, principalmente no que diz respeito a investimentos na Amazônia. Reconhecer as capacidades de uma iniciativa privada empreendedora e disposta a mobilizar recursos para conservação e redução do desmatamento deve ser tratado como prioridade na pauta de desenvolvimento do Brasil.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Biodiversidade vista da Índia

Escrever da conferência das Nações Unidas sobre biodiversidade daqui da Índia é um convite à reflexão sobre o impacto da população no meio natural, e nos sistemas e interações que garantem a vida nesse planeta. Um país onde moram um bilhão e duzentos milhões de indivíduos, e tem um território de aproximadamente um terço do nosso, serve como um bom exemplo para demostrar um fórmula simples para medir esse impacto. Impacto = PopulaçãoxAtividadexTecnologia. Na Índia a população é crescente, o nível de atividade é baixo (principalmente se medido em termos de PIB percapta), e a Tecnologia é direcionada para atividades predatórias, basta lembrar que 70% de sua energia depende da queima de combustíveis fósseis. O resultado é muito impacto.
A mesma fórmula aplicada a cada país presente aqui nas negociações dá resultados muito diversos, e daí a dificuldade de conciliar os interesses daqueles que estão aqui representados. A reunião das partes (COP11) acontece na cidade de Hyderabad, símbolo da Índia de tecnologia avançada, principalmente em computação, às vezes até chamada de Cyberabad.
Os dois temas mais importantes na agenda desse ano é o chamado Plano Estratégico 2011-2020, incluindo as 20 metas definidas em 2010 no Japão, e as regras para adoção Protocolo de Nagoya, previsto para entrar em vigor em 2015 e que regulamentará o acesso aos recursos genéticos e distribuição de seus benefícios.
O Brasil fez um trabalho considerado bastante avançado em relação aos outros países no que se refere às metas, as tais Metas Aichi.  Os trabalhos realizados por uma ampla iniciativa chamada “Diálogos para Biodiversidade” são a prova disso. Esse ano é esperado que a maioria dos países traga a situação da adaptação das metas aos seus contextos nacionais. O problema é que na atual situação da economia global, na qual os países até então considerados ricos estão maciçamente endividados, fica difícil conceber um cenário de doações aos mais pobres para que estes implementem suas respectivas metas.
Já em relação ao protocolo de Nagoya, ele ainda depende de uma ratificação por parte do nosso Congresso e para isso terá antes que aprovar uma lei nacional. Reuniões consultivas entre o Governo Federal e diversos grupos interessados, como o socioambiental, o agronegócio, as empresas de biotecenologia, as farmacêuticas e de cosméticos, vêm acontecendo desde o início de 2011. Para que o Brasil tire proveito de sua megabiodiversidade, esse processo deve continuar aberto e de forma profissional sob o risco de polarizações ideológicas. Há um vasto horizonte de oportunidades com possibilidade concreta de resultados positivos para todos nós. A ratificação até agora só foi feita por cinco países e enquanto não completar 50 o protocolo não entra em vigor.
Nos próximos textos vou escrever os desdobramentos desses assuntos a partir da experiência de observador da conferência de Biodiversidade aqui na Índia. Vou também descrever um pouco como o setor privado está incorporando essa agenda uma vez que estou representando o movimento empresarial pela biodiversidade Brasil em algumas ocasiões.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

05 | O que vem pela frente



Sábado, 30 de Outubro de 2010. Nagoya, Japão. As três horas da manhã, o ministro japonês do meio ambiente, Ryu Matsumoto, finalmente dá última martelada. Está encerrada a décima conferência dos países signatários da Convenção da Diversidade Biológica.

É um momento histórico, e os representantes dos mais de 200 países ali presentes sabem disso. Um fracasso aqui, depois do exagerado fracasso anunciado em Copenhague nas negociações sobre o clima, teria colocado um grande ponto final na tentativa dos países do mundo, conjuntamente, procurarem soluções para esse problema que é verdadeiramente global.

Entre as decisões que foram tomadas nessa Conferência e a efetiva redução, ou mesmo o fim, da perda da biodiversidade em escala planetária muito trabalho precisa ser feito. Num mundo onde o aumento populacional ainda é realidade nos próximos 40 anos e a escassez de recursos naturais é cada vez mais eminente, as metas e os compromissos aqui assumidos só serão realizados se esse tema for de fato incorporado à agenda econômica e política de cada país.

Uma vitória da diplomacia, no entanto, não significa necessariamente uma vitória para cada gene, espécie e ecossistema que possibilitam a vida como a conhecemos.

Ainda assim, é preciso reconhecer a liderança e o pragmatismo Japonês pela incansável busca por um consenso e finalmente um acordo. Merece destaque também a capacidade de articulação e visão do time de negociadores brasileiros.

Mas o que de fato foi acordado e o que vem pela frente?

a) Protocolo de Nagoya: é assim que passa a ser conhecido o conjunto de regras e procedimentos para o acesso e repartição de benefícios advindos do uso dos recursos genéticos. É um documento complexo e quem deseja conhecê-lo na íntegra pode encontrá-lo em
http://www.cbd.int/doc/meetings/cop/cop-10/in-session/cop-10-l-43-rev-1-en.doc

Vale destacar que são regras genéricas sujeitas à adaptação de acordo com as legislações nacionais de cada pais. O Brasil tem um projeto de Lei aquém do nosso potencial e atualmente parado na Casa Civil. É de nosso maior interesse aprová-lo rapidamente e aproveitar a vantagem comparativa em relação a outros países. Não há momento mais oportuno para envolver os mais importantes centros científicos do país, as empresas interessadas e comprometidas e as comunidades tradicionais geradoras de conhecimentos, numa agenda de desenvolvimento compatível com nossa supremacia em biodiversidade.

Mais importante ainda deve ser a mensagem para nossos legisladores e juízes: fazer pesquisas em nossas florestas, seja para uso comercial ou não, deve deixar de ser visto como crime em potencial, para ser visto como potencial gerador de riqueza para o país. Chega de ignorância. Chega de paranóia.

b) Plano Estratégico 2011-2020: a missão do plano aprovado, de acordo com a tradução que fiz, é a seguinte:

“Agir de forma efetiva e urgente para acabar com a perda da biodiversidade, assegurando que em 2020 os ecossistemas estejam resilientes e continuando a provir seus serviços essenciais, assim sendo, assegurando a variabilidade de vida no planeta, e contribuindo para o bem estar humano e erradicação da pobreza.

Para que isso aconteça, as pressões sobre a biodiversidade serão reduzidas, ecossistemas recuperados, recursos biológicos usados sustentavelmente e os benefícios do seu uso são distribuídos de maneira justa e equitativa; recursos financeiros são providos de forma adequada, capacidades aumentadas, valores e questões da biodiversidade adquirem a devida importância, políticas públicas apropriadas são efetivamente implementadas, e processos de decisão são baseados em rigor científico e seguem o princípio da precaução”
.

Daí tem-se as 20 metas, das quais destaco e analiso de forma sucinta:

• Meta 3: Até 2020 no máximo, os incentivos, incluindo subsídios, que destroem a biodiversidade são eliminados ou reformados para minimizar seus impactos negativos, enquanto incentivos positivos para conservação e uso sustentável da biodiversidade são desenvolvidos e aplicados (..), levando em consideração as características sócio-econômicas de cada país.

Enquanto houver mais recursos direcionados às atividades que destroem a biodiversidade do que para àquelas que conservam, atingir qualquer uma das outras metas será praticamente uma missão impossível. Essa meta vai na direção certa, mas faltou combinar com o pessoal do comércio internacional e da indústria fóssil.

• Meta 4: até 2020 no máximo, governos, empresas e outros stakeholders em todos os níveis tomaram medidas para implementar ou implementaram seus planos para produção e consumo sustentável, e mantiveram os impactos do uso de seus recursos naturais dentro de limites ecológicos seguros.

O Brasil já tem o seu plano confeccionado. Falta implementá-lo. O problema é que com a ausência absoluta desse tema na agenda dos candidatos à presidência (com exceção da Marina Silva), corre-se o risco de ser mais um daqueles planos que nunca sairão dos gabinetes de Brasília.

• Meta 5: até 2020, a taxa de perda de todos os habitats naturais, incluindo as florestas, será pelo menos reduzida pela metade, e onde for viável será reduzida a zero, e a degradação e fragmentação reduzidas significativamente.

O destaque para as florestas é uma clara mensagem política da importância que esse ecossistema, o qual detemos a porção mais importante entre todos os países, adquiriu. Ficou claro em Nagoya que as florestas e seu mecanismo financeiro associado REDD+ (http://brasileoclima.blogspot.com/2009/12/04-o-papel-da-amazonia.html) são a ponte para unir as duas agendas tão complementares: biodiversidade e clima. Para essa Meta 5, no entanto, faltou indicar qual é claramente essa taxa hoje (baseline) para termos um parâmetro de comparação.

• Meta 6: até 2020 os estoques de todos os peixes e invertebrados, assim como de todas as plantas aquáticas, são geridas e colhidas sustentavelmente, legalmente e sob uma gestão ecossistêmica, assim a sobrepesca é evitada, ações e planos de recuperação para todas as espécies em risco estão implementados, a indústria da pesca não traz impacto adverso significativo sobre as espécies ameaçadas e os ecossistemas vulneráveis, e o impacto dessa indústria sobre os estoques, espécies e ecossistemas estão dentro de limites ecológicos seguros.

A pesca nos oceanos é a corresponde a mais de 15% da fonte de proteína para 3 bilhões de pessoas no mundo. Assim como deixamos de ser caçadores e coletores na terra para nos transformar em agricultores o mesmo precisa ser feito nos oceanos. E isso será uma verdadeira revolução.

• Meta 8: Até 2020, a poluição, incluindo a advinda do excesso de nutrientes, será reduzida a níveis que não sejam prejudiciais ao funcionamento dos ecossistemas e a biodiversidade.

A principal fonte de poluição é a agricultura intensiva e irresponsável, que tem como seus subprodutos os fertilizantes, inseticidas e outros. Manejá-los adequadamente garantido que eles não cheguem aos lençóis freáticos é fundamental. Nem os países ricos estão devidamente preparados para isso.

• Meta 11: Até 2020, pelo menos 17% do território mundial incluindo os rios e lagos, e 10% das áreas marinhas, especialmente em áreas de relevante importância pela biodiversidade e serviços ecossistêmicos, são conservados por uma gestão efetiva e equitativa, ecologicamente representativa e bem conectadas com sistemas de áreas protegidas e outras medidas efetivas de conservação, e integradas dentro de um conceito de paisagem.

Poderíamos ter sido mais ambiciosos nessa meta. Existia a possibilidade de chegar a 25% no terrestre e 20% nos oceanos. De qualquer maneira, são números importantes, principalmente nos oceanos, onde as áreas efetivamente protegidas não passam de 1%. Em terra, o desafio é a gestão eficiente desse território. Temos um bom exemplo a oferecer que é o programa ARPA (http://www.site.funbio.org.br/teste/OqueFazemos/Solucoes/Arpa.aspx).

• Meta 15: Até 2020, a resiliência dos ecossistemas e a contribuição da biodiversidade para os estoques de carbono são aumentadas através da conservação e restauração, incluindo a restauração de pelo menos 15% dos ecossistemas atualmente degradados, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas, adaptação e combatendo a desertificação.

Em nosso país, onde temos quase 70 milhões de hectares de áreas degradadas somente na Amazônia Legal, essa é uma meta que merece destaque. Recuperar áreas degradas é um importante gerador de renda e emprego. Além disso, serve para diminuir a pressão em áreas que ainda dispõem de vegetação nativa.

• Meta 16: Até 2015, o Protocolo de Nagoya sobre o acesso e repartição de benefícios advindos do uso dos recursos genéticos está em força e operação, compatível com a legislação nacional de cada país.

Esse prazo seria para 2020, se não fosse a intervenção do nosso embaixador Luiz Alberto Figueiredo na plenária final da COP10. O Brasil teve papel de muito destaque ao fazer a ponte entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos nesse tema fundamental.

• Meta 20: Até 2020 no máximo, a mobilização de recursos financeiros para a efetiva implementação do Plano Estratégico 2011-2020, de todas as fontes e de acordo com o processo acordado e consolidado na Estratégia para Mobilização de Recursos, deve aumentar significativamente em relação aos níveis atuais. Essa meta está sujeita a mudanças a partir do estudo de necessidades de recursos que será realizado e reportado por cada país.

Infelizmente, aqui faltou uma indicação numérica. Os países mais ricos, talvez pela precária situação econômica atual, não se comprometeram com o nível que era necessário. O que significa substancialmente? Como averiguar? Estima-se que os recursos aplicados hoje sejam da ordem de US$ 30 bilhões. Em algumas versões desse documento, antes da aprovação final, era mencionado um aumento de até 10 vezes “Show me the Money!”. Mas ninguém apareceu e isso pode por em risco o plano todo.

Quem se interessar pelo documento completo com todas as decisões da COP10 pode acessar o documento completo em:
http://www.cbd.int/doc/meetings/cop/cop-10/official/cop-10-01-add2-rev1-en.pdf

Termino essa série de artigos relembrando uma intervenção feita pela delegação da Juventude numa das plenárias, que foi direcionada a todos os negociadores presentes em Nagoya, e também àqueles que ocupam posições relevantes em cada país e que lá não estavam:

Vocês são os lideres de hoje. Vocês têm que garantir que teremos um mundo para vivermos amanhã

Imperfeito e incompleto, temos um plano para essa década. Aos 28 anos, não sei se estou mais para o lado da delegação da juventude ou para o lado dos diplomatas e negociadores, mas sei que somente a implementação efetiva e o cumprimento do que aqui foi acordado pode garantir um planeta para vivermos amanhã.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

04 | Economia & Biodiversidade

Não há como ignorar os ganhos materiais conquistados ao longo dos últimos dois séculos em todo o mundo. Não tão bem distribuídos é verdade, mas vivemos num grau de conforto, abundância e expectativa de vida absolutamente inimagináveis pelas gerações que nos precederam.

Porém, o modelo que nos trouxe até aqui está esgotado. A crise de dois anos atrás é apenas a superfície de algo muito mais fundamental: a maneira como incorporamos o valor dos bens e serviços da natureza em nosso sistema econômico. A realidade é simples: não incorporamos.

A água que bebemos, que gera nossa energia e que irriga nossa agricultura. O solo em que cultivamos. Os corais que protegem e alimentam bilhões de pessoas no mundo. As florestas que regulam o clima e “fabricam”chuva. Os peixes que pescamos em todos os oceanos. Até o ar que respiramos. Tudo isso são subsídios que nos foram oferecido de graça pelo planeta e que nesse início de século 21 começam a dar sinais claros de esgotamento.

Retirar esses bens e serviços das externalidades econômicas e os colocar no centro das decisões econômicas e políticas deve ser o desafio número 1 de qualquer economista nessa geração.

Um exemplo claro foi o vazamento de petróleo, ocorrido há poucos meses no Golfo do México. Derramaram 780 milhões de litros ou 4.9 milhões de barris. Se multiplicarmos pelo preço do barril de hoje (US$ 80), seria o equivalente a uma perda de US$ 390 milhões de dólares. Soma-se a isso algumas vidas que foram perdidas, mais o custo da limpeza que obviamente foi apenas marginal e alguns, mais “sofisticados”, ainda acrescentariam à conta a desvalorização das ações da British Petroleum (BP), responsável pelo acidente. Pronto chegamos ao custo total do acidente.

Não, não e não. Não dá mais para desconsiderar o valor da biodiversidade, o valor de um ecossistema único como o Golfo do México. Estes valores e os custos associados aos riscos dessas operações devem ser contabilizados. A começar pelos grandes bancos, públicos e privados, que fornecem os empréstimos a tais empreendimentos. Quase todo o petróleo que ainda pode ser explorado no mundo ou está em áreas de altíssimo risco operacional ou em regiões extremamente ricas em biodiversidade. O pré-Sal não é em nada diferente. Estimam-se 180 blocos do petróleo e gás na Amazônia Oriental (Brasil e outros países inclusos), embaixo de aproximadamente 70 milhões de hectares de floresta tropical. Não dá mais para ignorar esse risco. Tem que ser refletido no preço que pagamos. Só assim as energias alternativas se viabilizarão, ganhando a escala necessária.

Nesse sentido, existe um esforço considerável que ganhou bastante corpo aqui em Nagoya e que leva o nome The Economics of Ecosystem and Biodiversity (TEEB). Com o objetivo de iniciar o processo de análise dos benefícios econômicos globais da diversidade biológica, dos custos associados a perda da biodiversidade e o tradeoff entre o custo de conservar versus a falha de tomar medidas de proteção, o TEEB é composto de seis estudos. Direcionados para governos, empresas, mídia e público em geral, esses estudos têm a mesma importância para a inclusão da biodiversidade nas decisões econômicas, assim como o relatório Stern teve para as mudanças climáticas. Vale conferir http://www.teebweb.org/

Alguns dos números que saíram desses estudos nos dão uma boa perspectiva do tamanho do desafio:
• Perdemos o equivalente a US$800 bilhões ao ano, ao destruir nossos sistemas naturais. Isso equivale a quase metade o PIB brasileiro.
• O custo projetado para conservar e zerar a perda da biodiversidade e serviços ecossistêmicos é da ordem de US$300 bilhões. Hoje o investimento não chega a US$30 bilhões.
• Só nos países desenvolvidos os subsídios para pesca industrial, agricultura intensiva e indústria fóssil é da ordem de US$ 500 bilhões ao ano.

Num excelente livreto aqui publicado, “The Little Biodiversity Finance Book”, o fundador do Global Canopy Programme, Andrew Mitchell, vai ao ponto:

Oscar Wilde, novelista inglês, dizia que o cínico era aquele que sabia o preço de tudo, mas não conhecia o valor de nada. O cínico de hoje é aquele que sabe o valor da biodiversidade, mas falha em lhe atribuir um preço.”

Existem, é verdade, razões técnicas para esse cinismo coletivo. A principal delas é a dificuldade de atribuir à biodiversidade indicadores apropriados. Enquanto isso não for resolvido fica difícil inseri-la nas contabilidades empresariais e nacionais.

A boa notícia é que daqui de Nagoya pode sair a criação de uma plataforma científica intergovernamental de biodiversidade e serviços ecossistêmicos (IPBES, pela sigla em inglês). Tal plataforma será composta por cientistas de todo o mundo e vai melhorar a interação entre ciência e políticas públicas em níveis regionais e globais. Sua efetividade ainda depende de uma aprovação na Assembléia Geral da ONU, e existem boatos de que o governo brasileiro estaria pleiteando sediar a plataforma fazendo jus a nossa liderança na área.



The Economics of Ecosystems and Biodiversity from teeb4me on Vimeo.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

03 | As negociações



Os temas aqui em Nagoya negociados assim como os interesses específicos de cada nação só podem ser completamente entendidos a partir de uma perspectiva histórica. Outra questão fundamental para se entender a posição de cada pais é a velha divisão entre os desenvolvidos e os em desenvolvimento. Ricos e pobres. Norte e sul. Tal divisão ganha traços ainda mais definidos numa negociação sobre a biodiversidade, uma vez que é no sul, geralmente pobre, onde se encontra a maior parte da diversidade biológica do planeta.

Diferentemente então de outras negociações multilaterais, como por exemplo comércio ou mesmo segurança internacional, em biodiversidade os países mais pobres têm uma força considerável.

É desses países, compartilhada pelo Brasil e por outros emergentes, a principal demanda nessa conferencia:
a adoção de um protocolo legalmente vinculante sobre o acesso aos recursos genéticos e a repartição justa e equitativa dos benefícios associados ao seu uso (ABS pela sigla em inglês Access and Benefit Sharing).

Além desse tema tão caro aos países em desenvolvimento, o sucesso ou fracasso das negociações em Nagoya também dependem de um acordo em outras duas frentes: a adoção de um novo plano estratégico global para biodiversidade e de metas numéricas para o aumento do aporte de recursos financeiros.

Abaixo, procuro explicar a importância de cada um desses temas, suas peculiaridades e o status das negociações:

a)
ABS: enquanto as grandes e simbólicas espécies do reino animal melhor simbolizam a biodiversidade, são os invisíveis e valiosos recursos genéticos que mais disputa causam há quase uma década de negociações. Não é à toa. Setores fundamentais de qualquer sistema econômico, como por exemplo o farmacêutico, agrícola, biotecnológico e tantos outros, dependem fundamentalmente de pesquisas e uso de recursos genéticos para o desenvolvimento de seus produtos. Veladamente, os países que sediam as grandes empresas multinacionais e institutos de pesquisa nessa área temem que um acordo internacional que estipule regras claras para o uso desses recursos interfira na forma lucrativa como fazem negócios mundo afora. Principalmente, porque não há nada hoje que os force a repartir com os países de origem os benefícios econômicos e tecnológicos de tais empreendimentos.

Por outro lado, um acordo que impeça a inovação e restrinja pesquisas importantes, ao tornar os métodos extremamente burocráticos, pode ser prejudicial para todo o mundo.

A negociação de tal protocolo ganha então uma complexidade tremenda:

i) o que fazer no caso dos recursos genéticos que já foram coletados e hoje se encontram em coleções públicas e privadas nos países ricos?
ii) o acordo vale também para os derivados desses recursos genéticos?
iii) como forçar países a cumprir as regras estabelecidas? Cabe punição?
iv) o que fazer numa situação de emergência global, como nos casos das epidemias? Um caso bastante citado é quando a gripe aviária se alastrou pelo mundo. A Indonésia forneceu os genes do vírus. Laboratórios ocidentais desenvolveram vacinas a partir desses materiais e lucraram bilhões revendendo-as aos países pobres.
v) como incorporar de forma justa o acúmulo de conhecimento de milhares de anos dos povos tradicionais, resguardando o consentimento prévio dessas populações quanto ao acesso aos recursos de seus territórios?

b)
Plano Estratégico: o único consenso que existe entre todos os países aqui em Nagoya é que as metas de 2010 para a biodiversidade não foram atingidas. A diversidade de genes, espécies e ecossistemas continua a declinar, enquanto as pressões sobre a biodiversidade continuam constantes ou aumentando, agravadas agora pela mudanças climáticas e aumento populacional.

A partir dessa constatação, os países aqui se esforçam para aprovar um plano estratégico que trás uma visão para 2050, em que
“a biodiversidade é valorizada, conservada, restaurada e usada de forma sábia. Enquanto os serviços ecossistêmicos são mantidos, sustentando um planeta saudável e entregando os benefícios essenciais a todos os povos”.

A missão do plano vem em seguida, mas ainda existe muito debate entre três opções. Uma mais e outras duas menos ambiciosa; e ligada ou não com a disponibilidade de recursos financeiros necessários para atingi-la. Como é a missão que acaba sendo comunicada ao público em geral, existe um grupo específico de negociadores e países somente para definir esse parágrafo.

Na sequência têm-se cinco objetivos estratégicos acompanhados de suas metas respectivas. O horizonte temporal dessas metas é 2020.

Por mais vago que algumas dessas metas possam parecer, em conjunto elas atacam as causas da perda de biodiversidade, como modos de consumo, impactos do comércio internacional e mudanças demográficas.

A meta 3 do texto em negociação, por exemplo, fala em eliminar até 2020 os subsídios governamentais que têm impacto negativo sobre a biodiversidade. Estima-se que somente nos países desenvolvidos os subsídios para pesca industrial, agricultura intensiva e indústria fóssil atinja 500 bilhões de dólares ao ano.
Um plano, mesmo que vago, é melhor do que nenhum. Sem plano os lideres mundiais sinalizarão que sabem que estamos acabando com o que sustenta a vida no planeta mas que isso não tem importância. Adivinha que vai pagar a conta?

c)
Aumento dos Recursos Financeiros: para atingir todas as metas que serão estabelecidas nesse novo plano estratégico é necessário aumentar em até 100 vezes a quantidade atualmente destinada à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade. Estima-se que são necessários recursos da ordem US$ 300 bilhões ao ano. No cenário atual, no qual a maior parte dos governos está quebrada, fica difícil que esse comprometimento seja de fato realizado. Daí entra-se num exercício “ovo-galinha” nas negociações das metas e recursos financeiros. Os países pobres não aceitam metas ambiciosas sem o direto comprometimento de transferência de recursos por parte dos países ricos.

Felizmente está claro que não só de transferências internacionais essas quantias serão garantidas. Muitas discussões e propostas em torno de modelos inovadores de financiamento estão ganhando corpo aqui em Nagoya, como por exemplo: i) pagamento por serviços ambientais, ii) um novo mecanismo chamado “Green Development Mechanism”, que envolveria em larga escala a participação do setor privado, iii) REDD+, e iv) estratégias de mobilização de recursos dentro de cada país.

De qualquer modo, é fundamental que países preservem no documento final a menção de metas numéricas em relação à mobilização de recursos financeiros. Só assim é possível o acompanhamento do seu cumprimento por todos os outros atores envolvidos.

Confuso, lento e às vezes distante da realidade. É assim o processo da ONU em sua melhor forma. Ao menos, transparente e participativo.

sábado, 23 de outubro de 2010

02 | Por que somos líderes?

Existe uma forte correlação entre tamanho de um território e diversidade de vida. Isso é até um pouco óbvio, já que quanto mais espaço maior é chance para as espécies se originarem e interagirem umas com as outras. Outra forte correlação com biodiversidade é a exposição ao Sol. Não é a toa que nos trópicos há muito mais vida do que em regiões temperadas.

Se esses dois atributos, tamanho e proximidade do Equador, já são importantes, considerem ainda que detemos em território nacional mais de 60% da Amazônia. Dos ecossistemas terrestres as florestas são as mais ricas em variabilidade de vida.

Para completar o Brasil ainda abriga sete distintos biomas que são regiões que se diferenciam umas das outras por suas características climáticas, vegetais e geográficas. São eles: Pantanal, Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Campos Sulinos e Zona Costeira.

Somos grande, banhados pelo sol e diversificados geográfica e biologicamente.

Não há dúvida então. Se existe algo em que somos realmente potência mundial é em Biodiversidade. Mas de que adianta isso? E quais são as implicações políticas e econômicas dessa liderança?

Numa conferência entre os países em que se negocia de acesso aos recursos genéticos à mobilização de recursos financeiros para conservação, essa vantagem nos deixa em posição privilegiada para negociar e defender nossos interesses. Somos também lideres de um grupo de países aqui apelidados de Megadiversos.

O principal objetivo da diplomacia brasileira aqui em Nagoya é aprovar o protocolo internacional que regula a exploração dos recursos genéticos e a repartição de seus benefícios, “ABS” pela sigla em inglês. Paulino de Carvalho Neto, diretor de meio ambiente do Itamaraty, foi enfático numa coletiva de imprensa, ontem, ao afirmar que sem a aprovação do protocolo o Brasil vai procurar impedir a aprovação de todos os outros temas em negociação. Isso inclui um novo plano estratégico mundial que traz consigo o componente de financiamento para as ações de conservação e uso sustentável da biodiversidade.

É uma posição arriscada, mas faz sentido. Estima-se que menos de 1% dos valores dos produtos industriais que tem a biodiversidade como base fique no país de origem. A ausência de tal protocolo é também apontada por especialistas como a principal razão para o não cumprimento das metas estimuladas para 2010, ao lado da insuficiência de recursos financeiros.

Infelizmente, essa posição de liderança no cenário internacional ainda não reflete a devida incorporação da biodiversidade em nossa agenda política e econômica nacional. É necessário incorporá-la ao nosso modelo de desenvolvimento para aproveitar essa inigualável vantagem competitiva.

Para isso, destaco quatro pontos fundamentais:

1. Aprovar o marco regulatório para bioprospecção e uso econômico dos recursos genéticos: existe uma proposta hoje parada na Casa Civil que pretende flexibilizar e tornar mais transparentes os procedimentos para instituições de pesquisa e empresas. O Congresso deve aprová-la rapidamente independentemente das negociações internacionais. Assim daremos o exemplo.

2. Aumentar maciçamente o investimento em pesquisa e desenvolvimento: esse investimento deve ter um foco em inovação, sendo tanto público como privado. Além de investimentos diretos, o governo também deve usar instrumentos fiscais, tributários e creditícios com o foco na criação de patentes nacionais para os produtos com origem na nossa biodiversidade.

3. Transversalizar a biodiversidade no planejamento e gestão efetiva do território:
o planejamento da infraestrutura deve considerar nosso patrimônio biológico. Ele tem que ser feito de forma integrada e não de projeto a projeto. Os impactos ambientais precisam ser analisados não apenas na fase das licenças mas ao longo de todo o empreendimento, inclusive durante sua vida útil. Principalmente, no caso caso das grandes hidrelétricas na Amazônia.

4. Revisão do código florestal:
a atual discussão desconsidera e simplifica demais o debate ao focar somente no percentual de Reserva Legal e tamanho de área de preservação permanente (APP). Precisamos na verdade é de um “Código da Biodiversidade”, que teria diretrizes específicas para as grandes regiões naturais do país, como defende nosso mais importante geógrafo dr. Aziz Nacib Ab’Saber
(ver http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/06/25/do-codigo-florestal-para-o-codigo-da-biodiversidade/)

Aceitar a responsabilidade de ser potência, definindo uma agenda nacional compatível com nosso potencial em biodiversidade, é o único caminho para liderarmos a discussão de um dos mais importantes temas da humanidade nesse século 21: nossa própria existência como espécie no planeta.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

01 | Contextualização - Da Rio 92 a Nagoya 2010

Assim como nas negociações sobre as mudanças climáticas, a agenda da Biodiversidade também teve seu início formalizado no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1992.

Mas por que um tema como a Biodiversidade merece um acordo global entre todos os países?

Seguindo ao pé da letra a definição da própria convenção, “
biodiversidade é variabilidade entre organismos vivos de todas as origens, compreendendo os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, compreendendo ainda a diversidade dentro das espécies, entre espécies e de ecossistemas”. É na verdade um acordo sobre a própria vida. Daí a sua importância, que estranhamente é pouco reconhecida.

O
Japan Times, jornal mais importante aqui do Japão, em edição especial sobre a COP10, a descreveu como “uma conferência de Deus”. Religiosidade a parte, é essa de fato a importância dos temas discutidos e negociados aqui.

Existem atualmente 193 Partes (192 países + União Européia) que ratificaram o texto da Convenção, comprometendo-se em termos gerais a implementar medidas nacionais e internacionais para alcançar três objetivos:

1. Conservar a diversidade biológica;
2. Promover o uso sustentável de seus componentes;
3. Assegurar a repartição equitativa e justa dos benefícios dos recursos genéticos.

Ao longo de seus 42 artigos, o texto da Convenção funciona como uma espécie de guia prático e permanente aos países membros para alcançar tais objetivos.

É esse, entretanto, o verdadeiro problema. Quase nada do que foi acordado no papel se materializou na prática em relação à redução da perda da diversidade do planeta. Na verdade, a biodiversidade vem se reduzindo em níveis cada vez mais intensos.

Experimentem uma leitura do “Panorama da Biodiversidade Global 3 (GBO3)”. Procurem no Google (disponível em http://www.cbd.int/doc/publications/gbo/gbo3-final-pt.pdf). É absolutamente deprimente o nível em que já dilapidamos o planeta.

O próprio relatório adverte que “
nenhuma das vinte e uma submetas que acompanham o objetivo global de reduzir significamente a taxa de perda de biodiversidade até 2010 foi definitivamente alcançada em nível mundial”. E pior, “não há indicação alguma de uma redução significativa da taxa de declínio da biodiversidade, nem de uma redução significativa das pressões sobre ela”.

Chegamos agora em Nagoya, no fim da primeira década do século 21, deparados com esse problema sem igual proporção. Infelizmente, não me parece que há vontade política, financiamento adequado e mesmo capacidade técnica para uma solução verdadeira.

Ainda, segundo o relatório, “
as medidas tomadas durante as duas próximas décadas e a direção traçada no âmbito da Convenção sobre a Diversidade Biológica determinarão se as condições ambientais relativamente estáveis das quais a civilização humana tem dependido durante os últimos 10 mil anos continuarão para além desse século. Se não formos capazes de aproveitar essa oportunidade, muitos ecossistemas do planeta se transformarão em novos ecossistemas, com arranjos sem precedentes, nos quais a capacidade de suprir as necessidades das gerações presentes e futuras é extremamente incerta”.

Dentre os milhares de panfletos e matérias que circulam por aqui, uma em especial me chamou atenção. É de uma agência de publicidade chamada Futerra. Ela propõe uma nova forma de comunicar esse tema e acabei me influenciando com o que li. Ao invés de mensagens de extinção e catástrofes, normalmente utilizadas para falar desse assunto e que em geral só causam apatia, o estudo sugere o uso de palavras de exemplos que demonstrem amor e necessidade de mudança e ação.

Fiz o possível para encontrar esses temas positivos, que trazem empatia para o leitor e provocam mudanças individuais e públicas. O melhor que consegui foi disponibilizar o vídeo de umas das criaturas mais bonitas do mundo convidando-nos a agir pela biodiversidade.