sábado, 23 de outubro de 2010

02 | Por que somos líderes?

Existe uma forte correlação entre tamanho de um território e diversidade de vida. Isso é até um pouco óbvio, já que quanto mais espaço maior é chance para as espécies se originarem e interagirem umas com as outras. Outra forte correlação com biodiversidade é a exposição ao Sol. Não é a toa que nos trópicos há muito mais vida do que em regiões temperadas.

Se esses dois atributos, tamanho e proximidade do Equador, já são importantes, considerem ainda que detemos em território nacional mais de 60% da Amazônia. Dos ecossistemas terrestres as florestas são as mais ricas em variabilidade de vida.

Para completar o Brasil ainda abriga sete distintos biomas que são regiões que se diferenciam umas das outras por suas características climáticas, vegetais e geográficas. São eles: Pantanal, Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Campos Sulinos e Zona Costeira.

Somos grande, banhados pelo sol e diversificados geográfica e biologicamente.

Não há dúvida então. Se existe algo em que somos realmente potência mundial é em Biodiversidade. Mas de que adianta isso? E quais são as implicações políticas e econômicas dessa liderança?

Numa conferência entre os países em que se negocia de acesso aos recursos genéticos à mobilização de recursos financeiros para conservação, essa vantagem nos deixa em posição privilegiada para negociar e defender nossos interesses. Somos também lideres de um grupo de países aqui apelidados de Megadiversos.

O principal objetivo da diplomacia brasileira aqui em Nagoya é aprovar o protocolo internacional que regula a exploração dos recursos genéticos e a repartição de seus benefícios, “ABS” pela sigla em inglês. Paulino de Carvalho Neto, diretor de meio ambiente do Itamaraty, foi enfático numa coletiva de imprensa, ontem, ao afirmar que sem a aprovação do protocolo o Brasil vai procurar impedir a aprovação de todos os outros temas em negociação. Isso inclui um novo plano estratégico mundial que traz consigo o componente de financiamento para as ações de conservação e uso sustentável da biodiversidade.

É uma posição arriscada, mas faz sentido. Estima-se que menos de 1% dos valores dos produtos industriais que tem a biodiversidade como base fique no país de origem. A ausência de tal protocolo é também apontada por especialistas como a principal razão para o não cumprimento das metas estimuladas para 2010, ao lado da insuficiência de recursos financeiros.

Infelizmente, essa posição de liderança no cenário internacional ainda não reflete a devida incorporação da biodiversidade em nossa agenda política e econômica nacional. É necessário incorporá-la ao nosso modelo de desenvolvimento para aproveitar essa inigualável vantagem competitiva.

Para isso, destaco quatro pontos fundamentais:

1. Aprovar o marco regulatório para bioprospecção e uso econômico dos recursos genéticos: existe uma proposta hoje parada na Casa Civil que pretende flexibilizar e tornar mais transparentes os procedimentos para instituições de pesquisa e empresas. O Congresso deve aprová-la rapidamente independentemente das negociações internacionais. Assim daremos o exemplo.

2. Aumentar maciçamente o investimento em pesquisa e desenvolvimento: esse investimento deve ter um foco em inovação, sendo tanto público como privado. Além de investimentos diretos, o governo também deve usar instrumentos fiscais, tributários e creditícios com o foco na criação de patentes nacionais para os produtos com origem na nossa biodiversidade.

3. Transversalizar a biodiversidade no planejamento e gestão efetiva do território:
o planejamento da infraestrutura deve considerar nosso patrimônio biológico. Ele tem que ser feito de forma integrada e não de projeto a projeto. Os impactos ambientais precisam ser analisados não apenas na fase das licenças mas ao longo de todo o empreendimento, inclusive durante sua vida útil. Principalmente, no caso caso das grandes hidrelétricas na Amazônia.

4. Revisão do código florestal:
a atual discussão desconsidera e simplifica demais o debate ao focar somente no percentual de Reserva Legal e tamanho de área de preservação permanente (APP). Precisamos na verdade é de um “Código da Biodiversidade”, que teria diretrizes específicas para as grandes regiões naturais do país, como defende nosso mais importante geógrafo dr. Aziz Nacib Ab’Saber
(ver http://centrodeestudosambientais.wordpress.com/2010/06/25/do-codigo-florestal-para-o-codigo-da-biodiversidade/)

Aceitar a responsabilidade de ser potência, definindo uma agenda nacional compatível com nosso potencial em biodiversidade, é o único caminho para liderarmos a discussão de um dos mais importantes temas da humanidade nesse século 21: nossa própria existência como espécie no planeta.